Os vereadores Paulinho da Prefeitura e Célio Santa Maria, ambos do PSB, questionaram via requerimento aprovado por unanimidade a prefeitura a respeito da fiscalização de possíveis loteamentos clandestinos no município. Paulinho lembrou durante a primeira sessão de Câmara realizada neste ano que o ônus de não se fiscalizar esse tipo de ocupação na cidade recairá exatamente sobre a municipalidade no futuro.
O anúncio é tentador. Uma área de 900 metros quadrados na região da estrada que liga Vargem Grande do Sul a São João da Boa Vista por apenas R$ 30 mil à vista. O anúncio que tem como destaque o chamariz “Novo loteamento”, oferece áreas para chácara e aceita pagamento parcelado. Um sonho prestes a se tornar realidade para muita gente. Uma área ampla, perto da cidade, onde é possível construir um verdadeiro refúgio com investimento menor do que em um terreno na área urbana.
Mas é preciso ficar muito atento. O anúncio não traz em nenhum momento o número da inscrição do empreendimento no Cartório de Registro de Imóveis, nem especifica o nome do loteamento. Sem essas garantias, é muito provável que a oferta tentadora esconda algumas irregularidades, como a ausência da escritura, a falta de infraestrutura, entre outras.
Em agosto do ano passado, a Segunda Promotoria de Justiça de Vargem Grande do Sul instaurou inquérito civil para investigar possível implantação irregular de parcelamento de solo no Sítio Cachoeirinha ou Sítio São José, localizado à Rodovia SP-344, altura do km 242. A investigação também foi objeto de reportagem publicada na página da prefeitura municipal.
Aparentemente este não é o único caso na cidade. A reportagem da Gazeta de Vargem Grande encontrou anúncios em páginas do Facebook de venda de lotes para chácaras em propriedades entre a cidade e São Sebastião da Grama, Itobi e Casa Branca.
No entanto, em uma rápida consulta junto ao Cartório foi possível constatar que não há nenhum loteamento registrado recentemente. Além disso, a legislação determina que os editais a respeito dos loteamentos sejam publicados em jornal local, como por exemplo, a Gazeta. E há mais de ano, não é feita nenhuma publicação neste sentido neste semanário e nenhuma das últimas publicações corresponde aos locais onde estão sendo comercializadas os terrenos dos anúncios.
Legislação
O advogado Douglas Nonis, especialista em direito notarial e registral, explicou à Gazeta de Vargem Grande que é costume toda divulgação de loteamento mencionar o número de registro no Cartório de Registro de Imóveis.
A questão dos loteamentos urbanos segue a Lei 6766 de 1979. Que entre outros pontos, determina que esses empreendimentos devem ser apreciados por órgãos oficiais. No caso do Estado de São Paulo, a prefeitura e o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais (Graprohab), um órgão da Secretaria de Estado da Habitação que tem por objetivo centralizar, agilizar e organizar os procedimentos administrativos de licenciamento do Estado para implantação de empreendimentos de parcelamentos do solo para fins residenciais. Além disso, Douglas ressaltou que é obrigatório o registro do empreendimento em Cartório.
Mesmo o subterfúgio de vender as áreas como terrenos para chácaras é irregular. Segundo o advogado, a questão de loteamento rural é regida pelo Decreto Lei 58 de 1957, que deve ser interpretada junto com o Estatuto da Terra, a Lei 4504, de 1964.
De acordo com ele, esse tipo de parcelamento deve respeitar o módulo rural que é de 20 mil metros quadrados. Só pode haver desmembramento menor que essa área em casos que sigam a instrução normativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que sejam destinados para situações específicas, como por exemplo, a construção de escolas ou silos. Não se aplica às chácaras de recreio.
Para se regularizar uma área e destiná-la a esse fim, o de chácaras, o advogado explicou que é preciso criar uma chamada “ilha urbana”, dentro de uma área rural. Nesse caso, o loteador deve implementar toda a infraestrutura necessária, como calçamento, pavimentação, rede de água e esgoto, entre outros. Nesses casos, o proprietário do lote pagará o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Ressaltou Douglas que se fazer um loteamento sem seguir essas leis significa uma ocupação irregular da área. Nesses casos, a prefeitura municipal ou o Ministério Público poderão acionar o loteador. O próprio comprador também pode denunciar o empreendimento para que o loteador busque a regularização.
Orientação
O advogado orienta os interessados em adquirir um terreno em loteamentos que sempre verifique se o empreendimento é aprovado pela prefeitura, se a infraestrutura foi executada e se os prazos para estas obras estão sendo seguidos e se há registro em cartório.
Quem já comprou uma área e verificou que estes requisitos não foram cumpridos, pode acionar o loteador na Justiça. Nesses casos, o pagamento das parcelas pode ser suspenso até que seja feita a regularização.
No entanto, Douglas lembrou que muitas pessoas sabem do risco e ainda assim compram essas áreas, apostando na morosidade e falta de fiscalização do poder público. Essas situações acabam gerando um ônus para o município no futuro, que depois terá que lidar com uma área onde não há infraestrutura urbana. É o caso, por exemplo, da Vila Esperança. Coube ao município o ônus de levar abastecimento de água, energia elétrica e pavimentação para o bairro que ainda hoje não possui ligação com a rede de esgoto e precisa recorrer ao sistema de fossa séptica.
Prefeitura apura cinco casos suspeitos
O Departamento Municipal de Obras e o de Fiscalização estão apurando a situação de cinco casos suspeitos de loteamento irregular em Vargem Grande do Sul. Conforme o Executivo informou à Gazeta de Vargem Grande, atualmente dois loteamentos são investigados pelo Ministério Público. São eles Inquérito Civil n.º 14.0468.0000342/2017 – Loteamento localizado às margens da Rodovia SP 344, km 242, denominado Sítio Cachoeirinha ou São José, próximos ao Free Motel e o Inquérito Civil n.º 14.0468.0000050/2018 – Loteamento localizado nas proximidades da Estrada Municipal Vargem Grande do Sul – Itobi, Fazenda São José e Santa Inês.
Ressaltou o Executivo que outros cinco casos semelhantes estão sendo levantados pelos departamentos. Ao término desses levantamentos, eles serão encaminhados ao Ministério Público.
De acordo com a prefeitura, a abertura de um loteamento na cidade deve seguir também a Lei n.º 1952, de 07 de novembro de 1995, que dispõe sobre o parcelamento de solo urbano no município de Vargem Grande do Sul.
Conforme explicou a prefeitura, em 2017, foram protocolados na Prefeitura Municipal três solicitações preliminares para abertura de novos loteamentos que estão sendo analisadas, porém sem ainda qualquer definição.
Sobre loteamentos rurais, a prefeitura ressaltou que a Lei Municipal 1952/1995 em seu artigo 3º diz que “Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas ou de expansão urbana” de acordo com disposições contidas na própria lei. Em relação ao parcelamento de solo em área rural, a Legislação Municipal não prevê, devendo, portanto, serem remetidos ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Pena
Conforme a Lei Federal 6766, constitui crime contra a administração pública dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes. A pena é de um a quatro anos de reclusão, além do pagamento de multa de cinco a 50 vezes o valor do maior salário mínimo vigente.