“O Facebook é meu, eu posto o que eu quiser”. “Não gostou da minha opinião, problema seu”. “Tem que denunciar mesmo”. Frases como essa correm as redes sociais de muitas pessoas atualmente. Gente que rasga o verbo criticando a sociedade, o time de futebol, as leis, a corrupção, o barulho do vizinho, a presença indevida de uvas passas no arroz de Natal. Enfim, a Internet deu voz a todos e qualquer pessoa no mundo tem o direito de se queixar, de se posicionar.
Mas e as consequências das denúncias vazias e a maledicência venenosa? Aparentemente, basta escrever um textão em uma timeline ofendendo alguém que as pessoas começam a ganhar admiradores só por terem a “coragem” de apontar o dedo aos defeitos dos demais. Ou ainda gravar um vídeo berrando contra alguém para que centenas de pessoas percam preciosos minutos da vida assistindo, com a mesma curiosidade mórbida que muita gente passa vagarosamente de carro ao lado de um acidente automobilístico.
O importante não é mais ter fundamentação. É preciso apenas sentar à frente de uma câmera, esbravejar e esperar o resultado. Curtidas, comentários de apoio e um pequeno culto de apoio começa. Obviamente que a Internet é uma terra de infinitas possibilidades, então qualquer ideia vai encontrar apoiadores no cyberespaço. Das mais grandiosas e edificantes até as mais rastejantes.
Essas pessoas que comungam dos mesmos ideais vão se aninhando, encontrando conforto entre pares que pensam da mesma maneira e o radicalismo vai aumentando. Isso acontece há muitos anos, desde o início da vida em sociedade. Mas a Internet acelerou esse processo de encontro, compartilhamento e ebulição. Mais uma vez, para o bem e para o mal de todos.
Não concordar com alguém não significa que o internauta deva ir até uma rede social e buscar desmoralizar esta pessoa. Todos têm o direito de opinar, mas isso deveria ser feito de uma maneira construtiva, que apontasse saídas, soluções, contribuísse para o crescimento da comunidade. Se cada um, seja um cidadão comum, um político (vereadores, prefeitos, governadores e até mesmo presidentes), um famoso, ficar apenas berrando, cada qual de seu próprio computador ou celular haverá apenas monólogos infrutíferos.
Uma das maiores mentes do século, o italiano Umberto Eco afirmou que as redes sociais dão o direito à palavra a uma “legião de imbecis” que antes falavam apenas “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”.
O premiado filósofo, escritor e linguista morreu em fevereiro de 2016 e nem pode ver de perto o caos que as fakenews têm causado no mundo. Apesar de alarmista, a avaliação de que “o drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade” tem efetivamente causado impacto no cotidiano.
Por isso, alguém efetivamente ler uma postagem, refletir sobre ela e genuinamente mudar de opinião é tão raro quanto ter empatia atualmente. A jornalista Eliane Brum escreveu em artigo de julho de 2018 sobre o conceito da “autoverdade”, que identificou como sendo “a valorização de uma verdade pessoal e autoproclamada, uma verdade do indivíduo, uma verdade determinada pelo “dizer tudo” da internet”. Ou, em linguajar dos internautas, a “lacração”.
Nesse mundo que a humanidade tem habitado, o conteúdo perdeu espaço para o ato de dizer. E que lógica há nisso? Quando argumentos pouco importam, a razão é solapada e abre-se um novo e perigoso cenário. Toda a sociedade precisa aprender a andar nesse novo terreno. Há quem esteja abraçando sem pudor essa estratégia. Obviamente com seus próprios interesses e dificilmente eles serão nobres. O momento é o de observar muito, falar pouco e continuar agindo com empatia e respeito seja com quem for. Até mesmo com o idiota da aldeia.