O bispo da Diocese de São João da Boa Vista, D. Antônio Emídio Vilar, publicou artigo recentemente falando sobre a Campanha da Fraternidade, que teve início neste período da quaresma, vivenciado pela comunidade católica desde a Quarta-feira de Cinzas, celebrada no último dia 6.
“Desde 1964, a Igreja no Brasil promove, a cada ano, a Campanha da Fraternidade (CF). A opção do tempo quaresmal é de conversão e de penitência pessoal, comunitária e social. Para isso, escolhe-se um tema atual e urgente e um lema inspirado na Palavra de Deus”, afirmou.
O objetivo da campanha é despertar a solidariedade dos fiéis e da sociedade em relação a um problema real, e buscar soluções. Políticas Públicas é o tema de 2019. O lema ‘Serás libertado pelo direito e pela justiça é de Is 1, 27’. “O direito, a justiça e a paz são sinais do Reino de Deus e promovem a dignidade humana. Nós cremos que o Reino de Deus já está entre nós. Nós vivemos e o testemunhamos o Reino de Cristo através da justiça, do amor, da fraternidade”, escreveu D. Vilar.
“A Quaresma pede de nós jejum, oração e caridade: estas práticas nos fazem renunciar à idolatria e à autossuficiência do eu, a nos declarar necessitados do Senhor e da sua misericórdia, e a partilhar nossos dons com os outros. A oração nos transfigura em Cristo e faz de nós bons samaritanos, capazes de servir irmão desfigurado pelo pecado pessoal e social”.
“Esta Campanha das Políticas Públicas quer suscitar empenho na defesa e promoção da vida humana, em especial a ameaçada, perseguida e oprimida. Os objetivos específicos desta Campanha são as necessidades básicas para uma vida digna, isto é, Políticas Públicas de Educação, Saúde, Trabalho, Segurança Social”, ressaltou.
O DESERTO QUARESMAL
A quaresma é um período que nos recorda os quarenta dias e quarenta noites que Jesus esteve no deserto “onde enfrentou as tentações do Diabo por quarenta dias. Durante todos esses dias não comeu nada e, ao fim desse período, estava faminto” (Lc 4,2). É profundo de se notar a simbologia que se reveste o número quarenta nas Sagradas Escrituras bem como a palavra deserto. Na Bíblia o número quarenta nos recorda um tempo de preparação, aqui podemos nos recordar os quarenta anos que o povo de Israel peregrinou no deserto, os quarenta dias e quarenta noites que Moisés esteve no Monte Sinai, os quarenta dias que Jesus Ressuscitado permanece com os seus discípulos. Os primeiros monges deixavam tudo e iam ao deserto. No deserto não há nada, só Deus, o silêncio e você. Naquele silêncio se escuta Deus que fala. O deserto faz parte da formação cristã, pois é este o tempo para se estar com Deus, tempo de se viver somente para ele. “Eu te levei ao deserto afim de que conhecesses o que tinhas no coração, se estavas disposto ou não a obedecer-me” (Dt 8,2). E estando no deserto se descobre se se tem ou não um coração capaz de amar a Deus. Deus conduz o seu povo no deserto para preparar aqueles homens e mulheres como Seu Povo. Israel passa a depender totalmente de Deus a assim passam a confiar Nele. Eles estão ali no vazio absoluto, dependendo do Senhor em tudo e o Senhor os prepara para se tornarem o povo de Israel, o povo de Deus.
Nesse tempo quaresmal somos conduzidos nessa mesma espiritualidade de irmos ao deserto para lá sermos preparados pelo Senhor. E a primeira coisa que o Senhor faz é conduzir-nos a este deserto existencial para que possamos descobrir nossas inquietações e descobrirmos o que temos no coração, se estamos ou não dispostos a obedecer a Ele. E quando o Senhor se manifesta Ele salva a humanidade. Estar no deserto como nos ensinava os Padres da Igreja é começar do zero. Nós nesse período quaresmal somos chamados a começar do zero!
Deveríamos refletir nesse tempo qual a vontade de Deus em nossas histórias. Quando descobrimos o que Ele quer somos chamados a fazer um itinerário que se inicia na Quarta-Feira de Cinzas e nos conduz à Vigília Pascal (a mãe de todas as vigílias). Nesta Noite das Luzes será sepultado o velho ser humano, esse ser humano egoísta, que busca a si mesmo em tudo, o ser humano da cobiça, apegado ao dinheiro, apegado as suas próprias ideias. Deus quer que esse ser humano velho seja destruído para que nasça em nós um novo ser. Quando se abandona a lei de Deus, a lei do amor, acaba por se afirmar a lei do mais forte sobre o mais fraco. O pecado – que habita no coração do ser humano (cf. Mc 7, 20-23), manifestando-se como avidez, ambição desmedida de bem-estar, desinteresse pelo bem dos outros e muitas vezes também do próprio – leva à exploração da criação (pessoas e meio ambiente), movidos por aquela ganância insaciável que considera todo o desejo um direito e que, mais cedo ou mais tarde, acabará por destruir inclusive quem está dominado por ela.
A Quaresma é sinal sacramental desta conversão. Ela chama os cristãos a encarnarem, de forma mais intensa e concreta, o mistério pascal na sua vida pessoal, familiar e social, particularmente através do jejum, da oração e da esmola.
Jejuar, isto é, aprender a modificar a nossa atitude para com os outros e as criaturas: passar da tentação de «devorar» tudo para satisfazer a nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor, que pode preencher o vazio do nosso coração. Orar, para saber renunciar à idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos declararmos necessitados do Senhor e da sua misericórdia. Dar esmola, para sair da insensatez de viver e acumular tudo para nós mesmos, com a ilusão de assegurarmos um futuro que não nos pertence. E, assim, reencontrar a alegria do projeto que Deus colocou na criação e no nosso coração: o projeto de amá-Lo a Ele, aos nossos irmãos e ao mundo inteiro, encontrando neste amor a verdadeira felicidade.
Queridos irmãos e irmãs, entremos no deserto com Jesus para podermos lá verdadeiramente ouvir a voz do Senhor. Coragem e um santo deserto a todos!
Pe. Denis Crivelari, Vigário Paroquial, Paróquia Sant’Ana