Um estudo realizado pela Repórter Brasil junto com a Agência Pública e a organização suíça Public Eye comprovou a presença de um coquetel que mistura diferentes agrotóxicos na água de uma em cada quatro cidades do país entre 2014 e 2017. Os dados utilizados são do Ministério da Saúde e as informações são parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), que reúne os resultados de testes feitos pelas empresas de abastecimento. O estudo foi publicado no dia 15 de abril de 2019.
As empresas de abastecimento detectaram em 1.396 municípios todos os 27 pesticidas que estão na legislação para teste. A Anvisa classifica 16 desses como altamente tóxicos e associa 11 ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, malformação fetal, disfunções hormonais e reprodutivas. A contaminação foi encontrada nas capitais São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo.
Em 2014, 75% dos testes detectaram agrotóxicos, indo para 84% em 2015 e 88% em 2016. Em 2017 o número chegou a 92%, comprovando o aumento constante na contaminação da água. Do total de 27 pesticidas nas águas brasileiras, 21 deles estão proibidos na União Europeia devido aos riscos oferecidos à saúde e ao meio ambiente, seis apontados como causadores de disfunções endócrinas e cinco são classificados como prováveis cancerígenos pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.931 não realizaram testes na sua água durante o período, dificultando a precisão da pesquisa realizada.
Coquetel
De acordo com a pesquisadora de contaminação da água no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo, Cassiana Montagner, a mistura entre diversos químicos gera riscos de multiplicação ou geração de novos efeitos. Conforme os dados, os paulistas foram os que mais beberam o coquetel nos últimos anos, onde a presença das substâncias foi encontrada em 504 municípios. O segundo estado foi Paraná, que obteve a presença do coquetel em 326 cidades, seguido por Santa Catarina, com 228 e Tocantins, com 121.
Vargem
Vargem Grande do Sul foi um dos 504 municípios do estado de São Paulo a conter a presença do coquetel das 27 substâncias. Na região, a única cidade a obter um número abaixo desse foi Águas da Prata, onde foi encontrado na água a presença de apenas 15 dos 27 agrotóxicos.
Segundo a pesquisa, o Ministério da Saúde reforçou que a exposição aos agrotóxicos é considerada grave problema de saúde pública e listou os efeitos nocivos que pode gerar, como puberdade precoce, aleitamento alterado, diminuição da fertilidade feminina e na qualidade do sêmen, além de alergias, distúrbios gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, neurológicos e neoplasias. O Ministério ainda ressaltou que as ações de controle e prevenção só podem ser tomadas quando o resultado do teste ultrapassa o máximo permitido por lei, porém não há um limite fixado para regular a mistura de substâncias no país.
A União Europeia tem como regra para restringir a mistura de substâncias a permissão de, no máximo, 0,5 microgramas em cada litro de água somando todos os agrotóxicos encontrados. No Brasil, há apenas limites individuais, ou seja, somando todos os limites permitidos para cada um dos agrotóxicos monitorados, a mistura de substâncias na água brasileira pode chegar a 1.353 microgramas por litro sem que soe alarde. O valor equivale a mais de 2.700 vezes o limite europeu.
Providências
Segundo o Ministério da Saúde, a Vigilância Sanitária dos municípios e dos estados devem alertar os prestadores de serviços de abastecimento de água para que tomem as providências de melhoria no tratamento da água. O Ministério ainda informou que caso o problema continue, é preciso que busquem soluções a partir da articulação com os demais envolvidos.
O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que representa os produtores de agrotóxicos, fez uma defesa sobre a segurança dos pesticidas. O grupo afirmou que a avaliação feita pela Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura garante que eles são seguros ao trabalhador, população rural e ao meio ambiente, já que a utilização age de acordo com as recomendações técnicas aprovadas e indicadas nas embalagens.
Ainda afirmou que a aplicação correta dos produtos no campo é um desafio e atribui a responsabilidade aos trabalhadores que aplicam os pesticidas, uma vez que alguns problemas estruturais como a falta do hábito da leitura de rótulo, bula e analfabetismo no campo trazem um desafio adicional.
Governo
A responsável pela pasta da agricultura, ex-líder da bancada ruralista Tereza Cristina, foi presidente da Comissão Especial na Câmara que aprovou, em junho do ano passado, o Projeto de Lei que propõe agilizar a aprovação de novos agrotóxicos no país. Apelidado pelos críticos como o “PL do veneno”, já gerou grande polêmica, sendo criticado em uma carta assinada por mais de 20 grupos da comunidade científica.
Sem previsão de conseguir maioria no Congresso para aprovar o PL, a estratégia parece ter mudado. Desde o início do ano, o Ministério da Agricultura publicou novos registros para 152 agrotóxicos, uma velocidade recorde de 1,5 aprovações por dia.
Chamada para esclarecer as liberações em audiência na Câmara no início de abril, a ministra disse que não existe liberação geral e que longos processos de aprovação só atrasam o agronegócio brasileiro, além de chamar de “desinformação” os estudos que apontam os riscos dessas substâncias e, usando o mesmo argumento do Sindicato dos Produtores de Agrotóxicos, declarou que as intoxicações ocorrem devido ao modo como os trabalhadores aplicam as substâncias.
Controle
À Gazeta de Vargem Grande, Ciro Manzoni, engenheiro agrônomo responsável pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati) de Vargem Grande do Sul, ressaltou que o controle de agrotóxico do Estado de São Paulo é feito pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária e que os dados divulgados pela pesquisa ainda não tinham chegado à regional. “Não é normal, nem correto, isto não pode refletir sobre todos os produtores rurais, a maioria realiza um trabalho sério e responsável, como a maioria dos colegas agrônomos, mas como em todas as áreas, existem péssimos produtores que não respeitam as regras corretas de aplicação e respeito ao meio ambiente, praticando uma agricultura arcaica e de resposta imediata”, falou Ciro.
Segundo Ciro esses agrotóxicos encontrados são permitidos para algumas culturas, porém o problema é a utilização de agrotóxicos em doses, épocas e sem necessidade de aplicação. “A Casa da Agricultura não é responsável por fiscalizar a comercialização nem controlar a aplicação de agrotóxico, cabe a outros órgãos estaduais e municipais, recomendar a adequada utilização e aplicação. Cada produtor é responsável por aplicação, bem como utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI) correta para aplica-lo. Não há como fazer este controle individual produtor por produtor”, observou.
De acordo com Ciro, tal resultado não é normal e nem deve ser tolerado. “Há produtores que aplicam produtos químicos por antecipação, cura imediata de doenças e pragas que são causadas por mau manejo do solo e desequilíbrio de adubação. Muitos produtores precisam entender que sem a saúde do solo e ecossistema não há produção agrícola. Deve-se trabalhar manejo correto do solo, rotação de culturas, adubação verde, aplicação de matéria orgânica e plantio em épocas adequadas”, disse Ciro. “Até dezembro de 2020, o produtor deve realizar o cadastro na Secretaria da Agricultura para comprar agrotóxico, o chamado sistema Gedave Agrotóxico. O produtor que não realizar o cadastro não poderá comprar produtos químicos. Este sistema permitirá melhor controle de compra e comercialização de agrotóxicos. A Casa da Agricultura auxilia no preenchimento e fornecimento de documentação”, disse.
SAE
A Gazeta de Vargem Grande entrou em contato com a Prefeitura Municipal para saber se o tratamento da água na estação elimina os agrotóxicos encontrados e recebeu a informação de que o tratamento convencional não elimina a presença dos agrotóxicos, mas resslatou que a nascente do Rio Verde não passa por grandes áreas de cultivos. “O Serviço Autônomo de Água e Esgoto tem conhecimento sobre o estudo realizado referente à presença de agrotóxicos na água, inclusive contratou a empresa Amplar Engenharia e Gestão Ambiental Ltda, especializada em segurança da água, para elaborar projeto do Plano de Segurança da Água, conforme Autorização de Fornecimento nº. 159/2019, que prevê o levantamento de possíveis fontes de contaminação desde o manancial, captação, tratamento e redes de distribuição de água”, informou.
A Prefeitura também afirmou que todos os parâmetros seguidos estão de acordo. “A autarquia segue a Portaria de Consolidação nº. 5 de 28/09/2017, na qual solicita a análise de 27 tipos de agrotóxicos, devendo a análise ser feita a cada 6 meses, e de acordo com o resultado da última análise, fica comprovado que todos os parâmetros estão de acordo.
A Gazeta também entrou em contado com a Unidade Regional da Coordenadoria de Defesa Agropecuária para saber como é realizada a monitoração dos agrotóxicos. No entanto, não obteve respostas até o fechamento dessa edição.