Vargem Grande, Cultural Center of the Universe

In Memorian José Luís Avanzi, o goiaba

Por Meinhard

Hoje faz 46 dias que o Goiaba morreu. Nenhuma morte dos últimos anos me comoveu tanto. O Goiaba deixa uma lição de vida para todos que estão nas “periferias” e no “interior” sobre como participar e ser integrante dos movimentos culturais do mundo.
Eu conheci o Goiaba numa viagem ao Nordeste, na minha primeira estadia no Brasil, quando nem falava português. Era Alemão, namorava uma Brasileira que conheci na faculdade de Frankfurt, e fiquei curioso em conhecer o país dela. Para mim ficou marcante, como me senti acolhido pelo Goiaba e os companheiros. Jamais senti aquele respeito distanciado por alguém que veio de um mundo supostamente “mais evoluído”, nem o desprezo por alguém que não sabia se comportar conforme os costumes. Eu era simplesmente mais um pedaço excêntrico do universo cultural dele, da mesma forma como uma pessoa humilde na praça de Nova Viçosa ou um artista fazendo castelos de areia.
Muitas pessoas com a amplitude de interesses do Goiaba foram para os grandes centros, querendo escapar da mesmice da cidade pequena do interior ou da periferia. Não o Goiaba. Ele falava de Vargem Grande com o orgulho de quem fala do Centro Cultural do Universo. E, de certa forma, transformou Vargem Grande num centro cultural para mim e muitos outros nas visitas consecutivas.
Goiaba era um conhecedor profundo e completo de música, sobretudo da música popular brasileira. O som no porão da casa dele era instalado com paixão e capricho, e tinha discos de todos os artistas conhecidos e muitos desconhecidos. No carro tinha sempre uma estação de rádio divertida ou de conteúdo artístico ou uma fita cassete com as canções preferidas do momento. Assim ele atraía gente que tocava violão, viola, banjo, flauta e outros instrumentos para o círculo de amizade e estimulava a criatividade.
Outra ênfase artística era a fotografia. Mais tarde Goiaba e Célia foram nos visitar na Alemanha, e fizemos juntos um tour pela Europa. Ainda guardo as fotos daquela viagem do tempo em que se revelava filmes, além de lembrar de outras fotos artísticas em preto e branco. E ele abraçou a Europa com a mesma facilidade como me abraçou no nosso primeiro encontro: Vargem Grande era o centro cultural do universo e as impressões do Mar do Norte, dos Alpes, de Verona, Paris e Barcelona se encaixavam perfeitamente na periferia.
Goiaba e Célia prestigiavam qualquer evento cultural na cidade e os promoviam sempre que houvesse oportunidade. A funerária do pai Goiabeira era o próprio centro cultural com suas gaiolas de passarinhos, fofocas divertidas e conversas sobre assuntos aleatórios. A morte fazia parte da vida de uma forma natural, e isso dava mais sentido à vida e a todas as vertentes da criatividade.
Goiaba era enfermeiro e fazia deste ofício uma outra forma de impulsionar o mundo. Ele se envolvia com paixão nas campanhas de vacinação, sabia de todos os detalhes e treinava outros enfermeiros. Se nós hoje falamos do Brasil como centro de excelência de vacinação do mundo e exemplo para outras nações, este mérito não é apenas de alguns estrategistas de Brasília. O verdadeiro progresso da humanidade se dá nas periferias e no interior. A imagem atual da enfermeira atravessando um córrego em cima de um arrame de cerca após uma enchente para aplicar a vacina contra Covid num idoso numa casa isolada é, para mim, a imagem do ano e é perfeita para representar o espírito do Goiaba.
A morte do Goiaba deixa uma lacuna de saudade das viagens que faria com ele, das conversas que teríamos, das risadas que daríamos. Tomara que se consegue preencher de alguma forma esta lacuna que fica na cultura de Vargem Grande e do Universo.

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