Kaio Henrique de Lima, 31 anos, é frentista em um posto de combustíveis na cidade. Ele frequenta a academia Olimpus e tem assessoria do atleta vargengrandense e coach Dênis Maldonado Bruno, pois entre seus objetivos, está o de disputar torneios de fisiculturismo.
Kaio namora há dois meses uma mulher que já tem uma filhinha e entre seus planos está o de ser pai. Uma vida de trabalho, sonhos e planos para o futuro, que qualquer vargengrandense tem, mas que Kaio só está podendo viver em sua plenitude há alguns anos. Homem trans, Kaio já passou por muitas dificuldades para enfim começar sua vida de fato.
A Gazeta de Vargem Grande já estava há algumas semanas tentando entrevistar Kaio, mas uma série de desencontros acabaram por adiar esta conversa que aconteceu, por fim, na quarta-feira, dia 30, coincidentemente, dois dias depois do Dia Internacional do Orgulho LGBQIA+, sigla que evoluiu o LGBT, para englobar as mais diversas minorias sexuais e de gênero e dar visibilidade às demandas de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, trans, queers, pansexuais, agêneros, pessoas não binárias e intersexo.
Nessa coleção de letras, Kaio se identifica como homem trans. Nasceu Carla, mas sempre se identificou como menino. Nas brincadeiras com amiguinhos, contou que fazia sempre o papel de referência masculina. “Gostava de taco, de jogar bola”, disse. Se tivesse que brincar de casinha, fazia o papel de pai. “Sempre assumi o papel do homem. Não suportava brincar de boneca. Comecei aos 9 anos a perceber isso”, contou.
Tentou se encaixar e forçou sua própria barra quando se relacionou com garotos. “Tentei sair com meninos, meio que forçado, para agradar meu pai”, disse. Até que ao ir a uma festa, viu um homem dançando. O corpo do gogo boy fez Kaio entender definitivamente que o seu próprio corpo não correspondia ao que estava bastante claro em sua cabeça e que já estava na hora de assumir isso. “Para minha vida começar de verdade”, disse. “Eu estava liberto”.
Cabelo
A primeira ação na direção a essa sua verdade, como explicou à Gazeta, foi procurar uma cabeleireira. Ele tinha os cabelos muito compridos, no final das costas. “Pedi para cortar curtinho. A cabeleireira perguntou se eu tinha certeza e eu disse que sim”, recordou. Ao ver o cabelo curto no espelho, com o corte que pediu, Kaio começou já a se enxergar mais com a imagem que sempre quis.
Mas ao sair do salão, precisou seguir para o seu próximo desafio, o de contar para a família. Kaio disse que chegou em casa e foi conversar com sua mãe. “Disse para ela que eu precisava ser quem eu sou”, explicou. De início, Kaio conta que sua mãe ficou um tanto confusa, mas que hoje o aceita, assim como seus irmãos.
No entanto, com seu pai foi diferente. Ele não aceitou Kaio e eles não se falam desde então. Já se passaram sete anos.
Apesar de ter sido muito difícil comunicar sua nova identidade à família, Kaio disse que o maior desafio foi o processo interno de aceitação própria. “O mais difícil foi eu me encontrar. O preconceito é muito grande”, afirmou.
Ele disse que nunca sentiu na pele o preconceito por parte de outras pessoas. Mas passou por muitos constrangimentos quando ainda não tinha mudado seus documentos. “Ao passar por médicos, por exemplo, sempre chamavam por uma menina”, recorda, lembrando das expressões e reações dos profissionais quando quem entrava no consultório, era na verdade um rapaz.
Identidade
Essa questão também foi mais um desafio superado. Em outubro do ano passado, Kaio conseguiu alterar sua documentação. “No cartório foram super atenciosos comigo, me orientaram e direcionaram certinho”, contou. Questionado se pretende passar por uma cirurgia para concluir o processo de mudança de sexo, ele contou que não pensa tão cedo em fazer algo tão definitivo.
Família
Além do apoio da mãe, Kaio também encontra nos colegas de academia, uma família. “Sempre me acolheram, nunca me rejeitaram e me tratam como um igual”, ressaltou, lembrando que esse pessoal esteve com ele em todos os momentos de sua transição.
De acordo com Kaio, os treinos diários na academia Olimpus e o acompanhamento com o profissional Dênis Maldonado, fazem parte também da busca de seu sonho de competir em torneios de fisiculturismo.
Namorando há dois meses, Kaio contou que sua namorada sempre soube que ele é um homem trans. No entanto, há ainda outro desafio a ser superado, que é a família dela. “Eles não quiseram nem me conhecer. Chegou até eles que eu era uma mulher e ainda por cima que eu usava drogas. Não me deram nem a oportunidade de me conhecerem. Tenho certeza que se conversassem comigo, pensariam completamente diferente”, contou.
Corpo novo
Há dois anos, Kaio começou a trabalhar fisicamente seu corpo para intensificar a transição. Além da academia e de seguir um nutricionista, também faz uso acompanhado de hormônios. Apesar de ser um dos símbolos da masculinidade, a barba não é algo que ele tenha se acostumado. “Não gosto muito desses pelos, mas agora eu já aceito”, admitiu.
Respeito
Kaio acredita que para se combater o preconceito com a comunidade LGBTQIA+ é preciso respeito. “É preciso aceitar as escolhas de todos e ter respeito dos dois lados. Se dar respeito e respeitar todos”, afirmou.
Ele também quer que sua história sirva de inspiração para mais jovens como ele. “Por mais que você se sinta diferente, não vão deixar de te amar por causa disso”, afirmou. E pediu para que Vargem também seja mais acolhedora. “Abrindo mais portas e oferecendo mais oportunidades”, disse.