O ex-prefeito Celso Itaroti Cancelier Cerva (PTB) foi absolvido no processo penal que investiga a ocorrência de crime contra a Lei de Licitações nos procedimentos de compras de uniformes e de material escolar para os alunos da rede pública municipal. Além de Itaroti, foram absolvidos pela juíza da Comarca Marina Silos de Araújo os denunciados Isabel Aparecida Visconde Borges, Dirceu Aparecido dos Reis, Andréa Cristina Taramelli, Ivani Pedro Sória e Ederson Luís Balasteguim.
A sentença foi no âmbito do processo 0002867-25.2015.8.26.0653, uma ação penal a respeito de crimes da Lei de licitações. A decisão da juíza tem data de 7 de fevereiro e a Gazeta de Vargem Grande teve acesso à mesma nesta semana.
Condenado civilmente
As mesmas licitações foram objeto de uma Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, de número 0000362-61.2015.8.26.0653, na qual o ex-prefeito foi condenado em primeira instância no início de 2020, pela juíza Marina Silos de Araújo. Além de Celso, também foram condenados na ação civil o ex-coordenador de licitações e compras Dirceu Aparecido dos Reis e a ex-diretora de licitações e compras, Isabel Aparecida Visconde Borges Frigini, além da empresa Ivani Pedro Sória EPP (nome fantasia “Lash Uniformes”), seu responsável, Ivani Pedro Sória, Ederson Luís Balasteguim, Margarete C. F. de Souza EPP (nome fantasia “Tecnocópias”), Margarete Cristina Francischini de Souza e José Roberto Fávero de Souza.
Denúncia Penal
Os réus foram denunciados pelo Ministério Público como incursos no artigo 288 do Código Penal e no artigo 90 da Lei nº 8.666/93, ambos c.c. o artigo 29 do Código Penal, na forma do artigo 69 do Código Penal, porque entre os meses de setembro a novembro de 2013, nas dependências da Prefeitura teriam se associado para o fim específico de cometer crimes contra a Administração Pública; nas mesmas circunstâncias sob a promoção, organização e direção de Itaroti, à época prefeito, previamente conluiados e agindo em concurso teriam frustrado e fraudado, mediante ajuste ou combinação o caráter competitivo do Procedimento Licitatório com o objetivo de obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Itaroti também foi denunciado por apropriar ou desviar rendas públicas em proveito próprio.
Durante a instrução, foram ouvidas 17 testemunhas, bem como interrogados os réus. O Ministério Público requereu a condenação dos réus pelos delitos a eles imputados na denúncia, exceto quanto ao crime de associação criminosa.
Defesas
Isabel Aparecida Visconde alegou que não participou de qualquer tipo de conluio, mas apenas cumpriu ordens superiores. Ivani Pedro Sória alegou a ausência de descrição suficiente da conduta criminosa e a ausência de provas. Sustentou, ainda, que não houve conluio e que a licitação obedeceu a legislação, tendo sido, inclusive, aprovada pelo Tribunal de Contas. Ederson Luís Balasteguim apontou que não houve conluio entre os réus. Afirmou que atuou como mero representante da empresa licitante, que não houve prejuízo ao erário e que inexistiu dolo nas condutas. Celso Itaroti sustentou que não houve qualquer irregularidade nos processos de licitação, tampouco qualquer tipo de conluio com os demais réus. Afirmou que a acusação não se desincumbiu do ônus de comprovar as condutas criminosas. Dirceu Aparecido dos Reis buscou a tese de a abolitio criminis (quando determinada conduta antes tipificada como crime, perde a tipicidade em razão de nova lei que a torna fato atípico.) e também afirmou que não houve comprovação da fraude ao certame licitatório. Andréa Cristina Costa apontou que não há prova da existência de dolo e que não participou de nenhum tipo de fraude ou conluio. Todos pediram absolvição.
Não procede
A juíza Marina Silos de Araújo decidiu que “a pretensão punitiva exposta na denúncia não procede”. De acordo com a magistrada, ao final da instrução, não foi demonstrada efetivamente as práticas das condutas ilícitas descritas pela acusação.
Na sentença, a magistrada observa que “a prova documental produzida nos autos, apesar de farta e de, de certa forma, suscitar dúvidas a respeito da probidade na condução das licitações, sobretudo no que tange à observância dos princípios da Administração Pública, não comprova, de forma inequívoca, que houve o alegado conluio entre os réus para o direcionamento do certame ou, então, que foram desviadas ou mal aplicadas as verbas públicas pelo então Prefeito, o réu Celso Itaroti’.
“Sendo assim, ainda que o excessivo detalhamento possa ter sido mal inserido no edital o que deveria ter sido analisado por todos os servidores públicos, não se nega, esse fato, por si só, não é capaz de indicar dolo ou conluio para fraudar a licitação. Quando muito, pode-se afirmar que a probidade foi ferida por inobservância dos princípios da Administração Pública”.
“Outrossim, não respaldam a acusação o preço e a qualidade dos produtos fornecidos. Primeiro, porque a qualidade dos produtos é evidente, já que, até a atualidade, os alunos continuam utilizando os uniformes fornecidos pela Prefeitura à época dos fatos. Segundo, porque é de amplo conhecimento que os preços praticados no varejo, muitas vezes, são inferiores aos preços oferecidos à Administração Pública, principalmente em razão da necessidade de manutenção da oferta por longo período de tempo (no mínimo doze meses) e a demora no pagamento, inerente ao sistema de contratos administrativos. Nesse contexto, os preços praticados não se mostram excessivos ou exorbitantes, nem tão diferentes dos praticados na iniciativa privada, em que vige a liberdade de contratação”.
“Portanto, uma coisa é certa: por mais que as condutas praticadas pelos agentes públicos nos procedimentos licitatórios possam ter provocado suspeitas, não há indícios suficientes de que tenham infringido a legislação ou que tenham sido praticadas em detrimento do interesse público. E, ausente prova inequívoca do elemento subjetivo da conduta, inviável a responsabilização penal dos acusados. A propósito, não se pode desconsiderar o fato de que a “investigação” levada a efeito por vereadores possa ter sido movida e provavelmente foi, principalmente, por interesses políticos, com viés interpretativo sensivelmente inclinado aos interesses da oposição. Logo, não há garantia de imparcialidade em todos os levantamentos feitos pelos então vereadores municipais”, pontuou a juíza em sua sentença.
“É imprescindível destacar que o crime pelo qual estão sendo acusados todos os réus (artigo 90 da Lei nº 8.666/93, com continuidade normativa no artigo 337-F do Código Penal) exige não somente o dolo genérico da prática da conduta, mas dolo específico de “obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação”. E, ao cabo da instrução, não foi demonstrada qualquer vantagem que os agentes públicos tenham recebido ou almejado com tais condutas, tampouco qual seria o interesse em enriquecer ilicitamente o representante da empresa licitante, sem qualquer vantagem pessoal aos agentes públicos. Vale dizer, sequer foi descrita na denúncia qual a vantagem recebida ou almejada pelos agentes públicos ou qual o seu específico interesse em enriquecer ilicitamente os réus Ivani e Ederson mesmo porque os produtos foram realmente fornecidos, em quantidade e qualidade adequadas”.
De acordo com a juíza, inexistindo prova de que houve fraude à licitação e de que a contratação das sociedades empresárias foi ilícita, não se pode afirmar que o então Prefeito Celso Itaroti desviou ou aplicou indevidamente verba pública. “De modo que, ainda que se possa perquirir eventual desrespeito aos princípios da administração pública, não é possível a prolação de um decreto condenatório pelo crime funcional previsto no referido Decreto-lei, que exige prova cabal da plena consciência da ilicitude do ato pelo Prefeito”.
Ao fim, a juíza Marina Silos de Araújo afirma que por inexistir prova concreta a respeito do conluio para fraudar a licitação, do dolo específico dos agentes, do superfaturamento de preços e do desvio ou má aplicação das verbas públicas, impõe-se a absolvição dos acusados.
Itaroti se manifesta na Câmara
Durante a sessão de Câmara do dia 15, Itaroti falou a respeito da sentença. “Eu fui denunciado pelo material escolar que eu comprei, Faber Castell, de melhor qualidade. Na realidade eu fui denunciado porque a qualidade era realmente boa. Qualidade excelente. Você mãe que está aí reclamando que não tem hoje camiseta, não tem abrigo, não tem tênis, não tem mochila. Na minha época tinha. E de muito boa qualidade. E eu fui processado”.
“E saiu hoje a sentença. A juíza me absolvendo, porque não teve nada de errado na licitação. Que a comparação que foi feita foi com grandes magazines. É fácil, compararam o que eu paguei com a Kalunga. A Kalunga não participa de licitação”, afirmou. “Então, mais uma vez fica bem claro que eu fui perseguido, que dificultaram meu trabalho nessa Casa quando na prefeitura, e que hoje se faz Justiça”, disse Itaroti.
“Gradativamente essas denúncias, uma a uma, chegarão à conclusão de que não se fez nada de errado. Talvez aqui não, mas lá, quando chegar em São Paulo a gente tem certeza”, ressaltou.
Condenação civil fala em mais de 100% de sobrepreço
Na ação civil pública, na qual foi condenado e recorreu, o ex-prefeito foi denunciado pelo Ministério Público pelo grupo formado pelos promotores Leonardo Meizikas, de Vargem, além de André Luís de Souza, Cleber Rogério Masson, Cleber Takashi Murakawa, Ernani de Menezes Vilhena Junior e José Cláudio Zan.
Em sua decisão condenatória na Ação Civil Pública, a juíza Marina Silos de Araújo, entre outros pontos, avaliou que as exigências de personalização constantes no edital são “irrelevantes e nada razoáveis, o que evidencia flagrante e pueril direcionamento do pleito licitatório com o claro desiderato de restringir ou mesmo impedir a concorrência, frustrando a competitividade do procedimento licitatório”.
A juíza ainda avaliou que a condução do pregão foi incorreta e admitiu irregularidades. “Os diversos expedientes dos quais os réus lançaram mão para a concretização da fraude foram executados de maneira pueril (para não se dizer até mesmo “inculta”), com a crença de que isso passaria despercebido e não lhes acarretaria nenhum tipo de sanção” afirmou.
Em um trecho da sentença é destacado que houve cumulação de produtos de natureza diversa em um mesmo lote, provocando a redução da competitividade, o que teria permitido à empresa vencedora que apresentasse proposta cujos produtos superavam em mais de 100% os preços de varejo de produtos disponíveis no mesmo após a readequação de valores.