Das biqueiras de crack à plenitude de ser mãe

O amor e o apoio dos filhos foram fundamentais na busca de superação de Fernanda. Foto: Arquivo Pessoal

Tadeu Ligabue
“Cadê aquele vagabundo que marcou às nove horas para estar aqui?”. Foi o que ouvi assim que cheguei na casa de Fernanda Bocaiuva para entrevistá-la. Então, lá de fora gritei que o vagabundo tinha acabado de chegar. Era nove e meia e tive dificuldade de encontrar a sua casa, me atrasando um pouco.
Assim é Fernanda, negra, direta, sem papas na língua, autêntica, guerreira, explosiva. Se desculpou e começamos a conversar sobre a matéria do Dia das Mães deste domingo. Aos 42 anos, sua vida é um exemplo de superação e ela faz questão de falar sobre tudo que teve de passar para hoje poder dizer: “Sou mãe, todos meus filhos me respeitam”.
O começo não foi diferente das muitas mães brasileiras, principalmente as que estão em condições sociais mais vulneráveis. Ser negra contribui ainda mais para entrar no fosso das desigualdades que o Brasil carrega desde sua formação. Grávida entre os 14 e 15 anos, era moradora de rua, fazia uso de drogas e álcool. Estudou até a 5ª série e foi expulsa de todas as escolas que frequentou.
Nesta vida sem rumo, os filhos foram vindos, sete ao todo e quando seu companheiro lhe apresentou o crack, ela disse que chegou ao fundo do poço, perdendo a guarda dos filhos, a casa onde morava e tendo de se foragir para não ser presa. Na época, tinha quatro filhos e estava grávida da quinta filha.
Foi embora para Machado (MG), onde se sentia mais segura, começou a trabalhar, plantar café e depois na Frente Social da prefeitura daquele município. Foi nessa época também que começou a conhecer a “palavra de Deus”, segundo ela, ao frequentar uma igreja evangélica.
Mas ainda estava vinculada ao crack. Em 2012 retornou para Vargem Grande do Sul, a Justiça tinha pedido sua presença para que ela pudesse assumir os filhos que tinham de deixar a Casa do Menor. Ela achava que ainda estava com o mandado de prisão, mas o mesmo não havia mais. “Devolveram meus quatro filhos, estava grávida da Aline e logo em seguida veio o Tiago”, disse.
Em Vargem seus martírios continuavam. Drogas, álcool. Para piorar sua sina, seu filho mais velho também passou a ser dependente do crack e ela de fato viveu o inferno naquela época. Além da fé, da palavra de Deus, como fez questão de afirmar, quem a ajudou a sair daquela vida, foram os próprios filhos. “Meus filhos me deram força, iam me buscar nos bares, nas biqueiras”, relembrou.
Hoje ela se sente superada. Trabalha há 12 anos na Frente Social da prefeitura municipal de Vargem Grande do Sul e é comum vê-la carpindo as ruas da cidade. “Minha vida, meu sofrimento, foi um aprendizado para meus filhos. Viraram homens e mulheres trabalhadores, superaram também seus problemas e lutam para vencer na vida”, disse.
Para ela, as amizades é que a levaram a percorrer o caminho das drogas e dos vícios. “Fiz muitas coisas erradas, fiquei quatro anos foragida e quem pagou pelos meus erros foram meus filhos”, admite.
Se sentindo realizada como mulher, mãe e avó de nove netos, disse que Deus a capacitou para ser missionária e atualmente ela prega a palavra de Deus na garagem de sua casa às pessoas que participam do culto. Também procura ajudar os viciados em crack de Vargem Grande do Sul, que são muitos, segundo ela. Fernanda fornece sopa, roupas e orações quando os visita à noite na ‘Terra do Nunca’, uma rua que fica logo atrás do antigo salão de festa do Tupã.
“Hoje eu encontrei paz na minha família. Posso te dizer que sou uma mãe abençoada. Falo para todas as mães que não desistem nunca, acreditem em Deus, Ele nos capacita para enfrentar todas as dificuldades. Cada luta nos faz mais vencedores”, finaliza Fernanda com estas palavras a sua entrevista.

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