Casa Candinho: 100 anos em Vargem Grande do Sul

Fachada da Padaria e Confeitaria Candinho em 1953, tirada pelo Senhor Virgílio Forlin

Se Vargem Grande do Sul festeja 148 anos neste dia 26 de setembro, certamente os balcões da atual Casa Candinho acompanharam boa parte dessa história. A tradicional confeitaria completou 100 anos de história em julho e viu de perto todas as transformações da cidade desde quando era ainda um distrito pertencente a São João da Boa Vista.


Basta uma visita ao estabelecimento, que desde 2016 está localizado à rua São Pedro, 672, para entender que ali estão guardados alguns pedacinhos de história. Quem guia essa breve viagem ao tempo é José Roberto Pereira Lima, o atual responsável pela confeitaria, que cresceu tendo o privilégio desde a infância, em pegar diretamente das fornadas quentinhas, bolachinhas, doces e demais quitutes servidos há tanto tempo na casa.
Ele mostra com carinho a primeira balança do estabelecimento, que fica no alto de uma das prateleiras, ao lado de pequenas garrafas de vidro onde era vendido o leite antigamente. Ali também estão uma série de latas de gordura de coco Brasil, fabricado pela Refinadora de Óleos Brasil e exportada para todo mundo. “Antigamente, era usado na produção e as famílias mais abastadas também vinham comprar as latas”, comentou Zé Roberto.


Há ainda ali um antigo telefone preto, daqueles com campainhas acopladas, para uso interno. Era usado para o pessoal do balcão se comunicar com quem estava na cozinha, para saber se o assado estava pronto, ou se a fornada de canudos de doce de leite ainda ia demorar. Isso sem falar nos antigos baleiros que fazem um som que lembra a infância quando são girados.


Pelas paredes, algumas fotos da família Pereira, como a do Sr. José Cândido Pereira, o conhecido Zé Candinho, com a esposa Adalgisa, e os nove filhos, um retrato de dona Adalgisa, primeira quituteira da casa e a fachada da loja, em uma Rua do Comércio que ainda era de terra. Mas que já vendia Coca-Cola, como é possível verificar na pintura que trazia na parede.

Família Candinho: Ao fundo Nívio, Neusa, Cândido (Zinho), Adalgisa, Zé Candinho, Darcy (Nena) e Maria José (Mili). Na frente: Edizel (Zeloca), Maria Apparecida (Cidinha), Osvaldo e Cleonice (Nicinha), em foto de Virgílio Forlin

Mas como isso começou?
No livro História da Padaria e Confeitaria Candinho, escrito por Mario Poggio Junior, um dos descendentes de Zé Candinho, em 1986 já havia registro da existência da padaria. Nos dados pesquisados sobre o “Distrito de Sant’Anna da Vargem Grande”, constantes do “Almanaque do Estado”, editado em 1896, já existia a Padaria Mazete & Castellanne. Como Vargem foi fundada em 1874, “concluímos forçosamente que no seu 22º aniversário já existia o estabelecimento comercial que até hoje delicia a população vargengrandense, moradores da região e visitantes que vêm à cidade com o intuito de saborear seus famosos doces”.


Zé Candinho, quando jovem, trabalhou em Campinas, na Padaria Minerva, onde aprendeu o ofício. Em 1922, ano da emancipação do município, Zé Candinho, retornou a Vargem Grande do Sul e investiu suas economias na aquisição do estabelecimento que compreendia a Padaria e o Restaurante Mazete & Castellanne, então de propriedade da senhora Emília Castelanne, mudando o nome da empresa para Padaria e Confeitaria Candinho.
A Padaria e Confeitaria Candinho foi se tornando uma referência em Vargem Grande. Zé Candinho foi expandindo os negócios oferecidos no estabelecimento, que segundo listou a obra de Mario Poggio Junior também abrigou um bar, casa de sucos e refrescos, uma hospedaria, leiteria, campo de bocha e truco, loja de departamentos, mercearia, pastelaria, restaurante, salão de festas com serviço de buffet e sorveteria.

O restaurante foi durante muitos anos referência na cidade, recebendo festas de casamento e banquetes. Elisa Brandielle era a Chefe de Cozinha do Restaurante Mazette e Castellanne e continuou como tal com a aquisição do estabelecimento por Zé Candinho. Suas filhas Adalgisa e Cezira herdaram seu dom e Adalgisa assumiu a chefia quando Elisa precisou parar.

Zé Candinho iniciou com a empresa em 1922

Confeitaria
Os docinhos da Casa Candinho são conhecidos em muitas cidades. Não há um prefeito de Vargem que não recorra a uma bandeja de bem casado embrulhados no tradicional papel jornal e amarrados com barbante em suas viagens para São Paulo ou para Brasília, para “abrir uma porta”, em gabinetes e secretarias.
José Roberto aprendeu as receitas que são as mesmas há décadas e serve com a mesma qualidade os tabuleiros de pés-de-moleque, de bem casado (que fazem parte de festas de casamento, chás da tarde e festas de todo Brasil, com encomendas despachadas cuidadosamente), docinhos sortidos, as bolachas, como a goiabinha, lua de mel, sequilhos, tarecos de amendoim, bombocado, queijadinhas, cocadas, suspiros e rocamboles.


À Gazeta, José Roberto comentou que desde que assumiu o empreendimento, em 2005, tentou oferecer novidades, mas o público vargengrandense é muito afeiçoado aos docinhos tradicionais da Casa, que acabaram sendo mantidos. “E tudo o que a gente faz no dia, é vendido”, garante. Entre as novidades que conseguiu inserir e que foram bem aceitas estão só salgados, muito procurados pelos clientes.

Maércio e a batedeira que salvou do incêndio na década de 1950

Casa Candinho: docinhos para todo o Brasil

Com um sorriso no rosto, Zé Roberto consegue uma brecha na correria do dia para conversar com a reportagem da Gazeta, enquanto recebe uma fornada de queijadinhas da cozinha e vai disponibilizando os doces pelo balcão.
Naquela quinta-feira, dia 22, ele e a equipe formada por três colaboradores fixos – entre eles o conhecido Maércio, 88 anos e que ali trabalha desde sempre – e que ainda conta com quatro colaboradores eventuais, já tinham despachado três encomendas e ainda iam mandar outras cinco, para cidades como Campinas, São Paulo e até Curitiba (PR). Os docinhos são itens obrigatórios para quem vai visitar familiares fora de Vargem. Zé Roberto comentou que sabe que já foram levados até para fora do país.


Zé Roberto contou que desde cedo frequentava a casa dos tios e falou sobre o privilégio que foi crescer cercado por tabuleiros de doces, bolachinhas e demais quitutes. Apesar de ser formado em Administração e Ciências Contábeis, ele contou que desde cedo gostava de aprender as receitas executadas pelos tios e as reproduzir em casa.
Assim, contou que graças aos tios aprendeu a fazer todos os produtos que hoje são oferecidos na Casa Candinho. “E também ao Maércio”, faz questão de ressaltar. Laércio Diogo Cardoso, o Maércio, começou a frequentar a padaria quando tinha 6 anos de idade, uma vez que sua mãe ali trabalhava, passou a fazer parte da equipe da Casa com 11 anos de idade e segue ainda hoje na cozinha do estabelecimento, aos 88 anos.
Além das inovações nas vendas pela Internet e na logística de entrega, a Casa Candinho ganhou todo um trabalho de identidade visual, que foi elaborado pelo publicitário Jack Ronc, falecido há 12 anos.

Recepções de casamento eram frequentes nos salões da Casa Candinho

Dividir com a comunidade
Ao final da entrevista, Zé Roberto confidenciou à Gazeta que já tem planos para a sua “aposentadoria”: dividir as tradicionais receitas da Casa Candinho com pessoas de baixa renda, em um projeto social que quer desenvolver. “Para que essa pessoa possa ter um meio de se sustentar. É uma maneira de retribuir tudo o que me foi dado, como um gesto de agradecimento”.

Zé Roberto com uma lata de óleo de coco, que era usada antigamente na produção da confeitaria

Curiosidades
A primeira geladeira de Vargem foi comprada pela Padaria Candinho, que chegou a ser usada na época pelo Hospital de Caridade para armazenar vacinas. O saudoso Benedito Martins, o Dito Enfermeiro, ia de carroça levar as vacinas para armazenamento.
Houve uma época em que ali funcionava uma verdadeira loja de departamentos, revendendo gasolina, pneus, material de construção.
Na leiteria que funcionou durante anos, pertencente a Mario Poggio, casado com Darcy pereira, filha de Zé Candinho, o leite era coletado nas chácaras da cidade durante a tarde e armazenado na geladeira. Às 2h o leite era engarrafado e no início da manhã era entregue na casa dos fregueses.
Na revolução de 1932, Zé Candinho e seus familiares refugiaram-se no sítio de seus pais, José Cândido de Oliveira e Anna Silvéria Cândida, localizado no Córrego dos Palmitos, afluente do Rio Jaguari Mirim. O estabelecimento permaneceu aberto durante os meses de conflito, sendo dirigido por Adolpho Pratalli, contador da empresa.


Quando Vargem foi ocupada pelas tropas federais, a Casa Candinho foi tomada pelo exército. Mas durante o período, todas as mercadorias que eram requisitadas ao longo do dia eram anotadas por Pratalli, que ao final do dia solicitava a “requisição” correspondente.
Com o final da revolução, ele entregou todas as requisições a Zé Candinho e quando os jornais informaram que os portadores das requisições poderiam recebê-las em Belo Horizonte, foi de ônibus à Capital Mineira e recebeu o valor correspondente.


Em 1958 a padaria pegou fogo, em razão de fagulha que “espirrou” da fornalha e atingiu material inflamável, o que provocou a queima de todas as instalações, matérias-primas e produtos finais em estoque. Como não havia equipamentos, carregaram água e até o Padre Celestino C. Garcia, o Vigário da Paróquia, participou do combate ao incêndio.
E naquele incêndio, após conseguir sair da local em chamas, Máercio, que ali trabalhava, voltou para buscar a batedeira que usava na produção da massa do bem casado, com ajuda de Augusto Pereira Lima.

Prateleiras da Casa Candinho com seus itens históricos

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