Os 50 anos do primeiro livro de Ganymédes José
por Sérgio A. Scacabarrozzi– Casa Branca/SP
Há exatos cinquenta anos, em novembro de 1972, a Editora Três, uma das campeãs de vendas de revistas e livros em bancas de revistas no Brasil, concorrente direta da então imbatível Editora Abril, da família Civita, distribuiu para os leitores de todo o país uma obra editada em fascículos que fez estrondoso sucesso na época, quando a editora mirava diretamente os lares católicos
brasileiros. Tratava-se de A Vida de Cristo, editada em 20 fascículos
quinzenais que, ao final da coleção, poderiam ser encadernados em uma luxuosa capa dura, formando um magnífico livro ilustrado a cores, medindo 31 cm x 25 cm, com 328 páginas.
A obra foi preparada com grande sigilo pela Editora Três, que temia uma “espionagem” das concorrentes, especialmente da Abril, a maior delas, que, caso vazasse a notícia do lançamento, poderia minar o impacto publicando alguma coisa semelhante ou mais chamativa. Para ilustrar os fascículos, foi escolhido o artista Manoel Victor Filho (1927-1995), ilustrador, desenhista, cartunista e pintor, famoso por suas inúmeras capas de livros, participação em programas de TV e ganhador de importantes prêmios, como o Jabuti. Para a elaboração do texto, que deveria acompanhar as expressivas e chamativas ilustrações de Manoel Vitor, a Editora Três escolheu um nome desconhecido. Tratava-se de Ganymédes José Santos de Oliveira, um escritor do interior de São Paulo, nascido e morador na cidade de Casa Branca, que há anos tentava, sem sucesso, publicar seus trabalhos literários por alguma grande editora. Aos 36 anos de idade, já não era mais o jovem sonhador e até mesmo um tanto de desânimo com as inúmeras dificuldades para tornar-se um escritor reconhecido já começava a rondar o persistente casabranquense. Eis que entra em cena uma pessoa fundamental na vida de Ganymédes: o editor de textos da Editora Três, Ignácio de Loyola Brandão, um araraquarense que já tinha vários livros publicados, nascido no mesmo ano que Ganymédes José (1936) e que viu nele um grande potencial para dar cabo da empreitada de escrever os textos para A Vida de Cristo. Loyola já tivera contato com Ganymédes em outras ocasiões, quando este lhe enviara contos na esperança de vê-los publicados na revista Cláudia, outro grande sucesso da época, cujo editor era o próprio Loyola. Os textos de Ganymédes tinham sido rejeitados pela editora, mas ele recebeu do editor uma mensagem consoladora posteriormente: “Estou com uma nova editora. Me lembrei de você. Experimente escrever alguma coisa sobre Cristo. Leia tudo que puder. Comece com Maria. Não me pergunte o que é, nem para que é.”
Num tempo em que não havia internet nem muito menos computadores, a comunicação era por carta ou telefone e a produção dos textos vinha das máquinas de escrever, com todo o charme, mas também todas as dificuldades, que elas ofereciam. Depois de contatado por Loyola, Ganymédes põe-se a escrever o texto para o livro, conforme lhe fora pedido, tudo no maior sigilo, como lhe fora recomendado pelo amigo. Remetido à editora, o primeiro esboço não agradou e Ganymédes foi instado a reescrever, agora com as orientações que lhes foram passadas. O novo texto agradou em cheio o editor e foi dado início à produção dos fascículos. Em novembro de 1972 chegava às bancas do Brasil, com grande divulgação, o primeiro fascículo de A Vida de Cristo. O jornal Folha de Casa Branca, no dia 26 de novembro de 1972, trouxe a grande notícia de primeira página: Escritor de Casa Branca se lança para o Brasil. A obra não era mais segredo e o autor do seu texto também não: era o filho de Casa Branca, que há anos tentava ver seu nome impresso em um livro editado por uma editora de porte nacional.
Na mesma data, o irmão de Ganymédes, Tenê (Clístenes), que mais tarde seria conhecido em todo o país como Tenê de Casa Branca, graças aos seus livros de artesanato e às suas publicações no caderno infantil Folhinha, encartado aos domingos no jornal Folha de S. Paulo, publicou um texto cheio de emoção e desabafo sobre a vitória do irmão na mesma Folha de Casa Branca, intitulado APLAUSOS, onde dizia: “Tudo foi importante e lindo”, referindo-se à luta para Ganymédes chegar onde chegou.
A Vida de Cristo, como o próprio Ganymédes declarou diversas vezes nos anos seguintes, abriu as portas para que ele pudesse finalmente ver seus livros publicados. Pouco tempo depois a Editora Tecnoprint, do Rio de Janeiro, gigante na publicação de livros infanto-juvenis de bolso, adotados pelas escolas de todo o Brasil, convidou o autor para publicar seus livros através dela. Nascia ali, também, a icônica série A Inspetora que, de 1974 a 1988, teve quase 40 títulos publicados. Ganymédes tornou-se uma verdadeira “máquina” para produzir livros. Em pouco mais de três anos, de 1973 a 1976, escreveu cerca de 48 livros, conforme entrevista ao jornal Diário de S. Paulo, em fevereiro de 1976.
Ganymédes José morreu de infarto, aos 54 anos, no início da noite de 9 de julho de 1990, na mesma casa onde nasceu e morou a vida toda, à Rua Luiz Piza, em Casa Branca/SP. Foram apenas 18 anos de sucesso absoluto em todas as editoras que publicaram seus mais de 150 livros, dentre elas a Atual, Moderna, Brasiliense, do Brasil, Tecnoprint (Ediouro), Salamandra, Codecri, Salesianas e muitas outras. Seus livros chegaram aos adolescentes e jovens de todo o Brasil. Foram vendidos milhões de exemplares, com tiragens astronômicas de quase todos os seus livros. Poucos escritores no Brasil tiveram o sucesso editorial que Ganymédes teve com a sua literatura infanto-juvenil. Pouquíssimos publicaram tantos livros como ele.
Ao relembrarmos os 50 anos da publicação de A Vida de Cristo, em novembro de 1972, rendemos ao escritor Ganymédes José as nossas homenagens pela semente que insistentemente plantou e fez germinar, dando tantos frutos por este país afora.