Dia do Autismo: a importância do diagnóstico, ainda que tardio

O autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, caracterizado principalmente por déficits persistentes na comunicação e na interação social. O Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo foi comemorado no último domingo, dia 2. Em 2007, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a data com o objetivo de ampliar os debates e levar informação sobre o transtorno.
Dados recentes do Centro de Controle de Prevenção e Doenças (CDC) indicam que uma em cada 36 crianças de 8 anos são autistas nos Estados Unidos. No Brasil, ainda não há dados consolidados sobre o transtorno, mas se as proporções deste levantamento norte-americano forem aplicadas à população brasileira, há cerca de 6 milhões de autistas no país, diagnosticados ou não.
Segundo a pesquisa, há uma parcela da população que enfrenta ainda mais barreiras para chegar ao diagnóstico: as mulheres. Isso ocorre porque, de acordo com especialistas, o cérebro feminino é, de modo espontâneo, mais social e detém maior capacidade de empatia e habilidades sociais esperadas nos relacionamentos interpessoais. Essas características, no entanto, contribuem para mascarar os sinais do transtorno, ocasionando um diagnóstico tardio, diferente do que acontece no sexo masculino, em que a condição acaba sendo notada 3,55 vezes mais.
O levantamento do CDC também traz um cenário inédito: a porcentagem de diagnósticos entre asiáticos (3,3%), hispânicos (3,2%) e negros (2,9%) foram maiores do que entre as crianças brancas (2,4%). Esses dados apontam para a necessidade de entender o autismo para além do estereótipo do “anjo azul”, expressão amplamente disseminada para caracterizar pessoas autistas.

O diagnóstico
Um dos pontos vitais está relacionado ao diagnóstico. Mesmo tardio, ele é essencial para que os autistas tenham acesso ao tratamento adequado, assegurando condições de autonomia, autorregulação e bem-estar do indivíduo. No entanto, quanto mais cedo uma pessoa é diagnosticada, melhor.
A Gazeta de Vargem Grande entrevistou a psicóloga Daiane Passoni, de 28 anos, que faz atendimentos com pessoas autistas. Formada em psicologia em 2017 pela UNIFAE, ela é pós graduada em psicopedagogia, em Análise do Comportamento na educação de pessoas com TEA pela faculdade RHEMA, e é pós graduanda em ABA com estratégias naturalistas pelo instituto Singular.
A psicóloga pontuou que o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento. “Hoje com base em pesquisas e artigos científicos sabemos que o diagnóstico precoce pode promover melhor qualidade de vida em indivíduos que pertencem ao Espectro Autista, já que na faixa de 0 a 6 anos de idade existe maior flexibilidade a nível neural. Ou seja, quanto mais plasticidade cerebral houver, maior as chances de adquirir novas redes sinápticas que promovem o desenvolvimento de novas aprendizagens”, disse.


Daiane informou que o diagnóstico tardio tem crescido bastante após as novas atualizações do DSM-V, manual estatístico de transtornos mentais, que compõem três níveis de suporte do autismo. “Então sabe-se que antigamente um certo grupo autista não foi diagnosticado e nem acompanhado adequadamente”, comentou.
Ela ressaltou sobre o impacto de se realizar um diagnóstico tardiamente. “O impacto dos diagnósticos tardios na vida das pessoas, é que por anos tiveram que passar e lidar com dificuldades que se tivessem sido tratadas adequadamente, não teriam causado tanto prejuízo à nível pessoal, emocional e intelectual”, explicou.
“Por outro lado, ter a chance de entender seu funcionamento mesmo que tardiamente, responde muitas perguntas que antes ficavam incompreendidas, e mesmo na vida adulta, a terapia para autista é eficaz para adequar as principais dificuldades que podem impactar de forma a prejudicar o indivíduo”, completou.

A psicóloga ressaltou que, contudo, o autismo não deve ser encarado como um fator incapacitante, mas sim como um funcionamento cerebral diferente que requer atenção para o desenvolvimento de habilidades.

Na prática
A palestrante e consultora de gestão de pessoas Gabi Lourenço, de 41 anos, recebeu recentemente o diagnóstico tardio do autismo. À Gazeta de Vargem Grande, ela falou sobre a sua experiência. “Sempre me achei diferente das outras pessoas, desde pequena, sentia dificuldade para me encaixar em grupos, fazer amizades e era muito solitária, na minha. E com a maturidade percebi que o problema persistia e as dificuldades aumentavam”, disse.
“Eu tenho dificuldade extrema em relacionamento afetivo, por exemplo, pouquíssimas amizades, e no trabalho, mesmo atuando com comunicação, palestrando, proferindo cursos e treinamentos empresariais com excelente êxito, eu nunca estava satisfeita com o meu desempenho enquanto vendedora das minhas próprias soluções corporativas”, completou.
Gabi pontuou que depois de passar por um período grande de depressão por conta de um déficit extremo de vitamina D no organismo e ter ficado um tempo sem trabalhar por conta disso, resolveu buscar ajuda médica novamente para entender o motivo de algumas dificuldades na vida social e recebeu dois diagnósticos: autismo nível 1 e transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).


Ao jornal, ela comentou que muitas pessoas estão recebendo o diagnóstico tardio de autismo porque o nível 1, além de ser um nível em que há uma independência do autista, possui características que não foram percebidas na infância, sobretudo há 40 anos atrás quando dificilmente se falava sobre essa condição. “Confesso que não houve nenhuma surpresa ao receber o meu diagnóstico, primeiro porque eu já sabia que havia algo de diferente em mim, mas pelo fato de nunca ter sido tratada com diferença, ter feito faculdades, duas pós-graduações e desempenhar muito bem a minha atividade profissional, além de ter carteira de habilitação, fazer viagens aéreas e terrestres sozinha, e demais atividades sem nenhum problema, me fez entender que eu tenho, sim, alguma limitação, mas que, por menor que ela seja, eu devo respeitá-la para ter melhor qualidade de vida”, disse.
Para ela, na verdade, foi um alívio grande entender que coisas que aconteciam consigo desde pequena e que não sabia porquê. “Agora sei que a dificuldade de relacionamento, por exemplo, é por conta do autismo, e posso mudar a minha história. E o mais bacana é que eu consegui me conhecer muito melhor, e quando a gente se conhece, sabemos definir quais são nossos limites, e as pessoas que vivem à nossa volta também“, comentou.
“Outro ponto interessante é que ouvir barulhos que poucos conseguem ouvir ou sentir cheiros que poucos sentem também pode ser bem útil. Uma vez, estava minha família reunida na cozinha, em torno de 8 pessoas, e eu estava no meu quarto ouvindo música com a porta fechada, de repente senti cheiro de queimado, corri na cozinha, estavam todos rindo e ninguém percebeu que o ventilador estava queimando”, completou.


Gabi ressaltou que antes sabia que era diferente. “Uma vez, um professor na pós-graduação deu uma aula sobre pertencimento e aquela aula fez muito sentido para mim porque era exatamente assim, eu não tinha aquela sensação gostosa de me sentir parte de nenhum grupo, eu só me encontrava quando estava em alguma empresa ministrando treinamentos, só ali eu me sentia parte de algo, sentia que estava fazendo algo valoroso”, disse.
“E agora eu tenho estudado muito sobre as características do autismo, principalmente as características que se aplicam a mim e vou buscando as melhorias que me favorecem. E como ainda existe muita desinformação e até o velho preconceito, o meu segredo é jamais ter um olhar piedoso comigo mesma enquanto autista e não deixar que as pessoas tenham, porque se mudou algo com o diagnóstico, foi para melhor, porque não há nada mais incrível do que a oportunidade do autoconhecimento”, completou.

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