Na última semana, os resultados obtidos pelo Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) chocaram a população, uma vez que menos da metade dos estudantes de 15 anos de idade conseguiu atingir um nível mínimo de aprendizado em leitura, matemática e ciências. Os dados foram divulgados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no dia 5 deste mês e são referentes ao ano passado.
Em 2022, o Brasil alcançou 379 pontos na avaliação de matemática, 410 pontos em leitura e 403 pontos na disciplina de ciências. Com estes números, o Brasil ocupou as seguintes posições no ranking composto por 81 nações: 53º lugar em Leitura, 61º lugar em Ciências e 65º lugar em Matemática.
Uma pesquisa divulgada no dia 29 de novembro pelo Centro de Pesquisas em Educação, Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), em parceria com a plataforma de leitura Árvore, mostrou que a leitura não está presente de forma significativa na rotina de muitos estudantes brasileiros.
De acordo com os dados, entre 66,3% dos alunos brasileiros de 15 e 16 anos, o livro mais extenso já lido não passou de 10 páginas. O estudo, baseado em uma análise dos micro dados do exame internacional Pisa de 2018, estabelece uma associação entre os baixos índices de leitura e uma queda no desempenho dos jovens em disciplinas como matemática e ciências.
Conforme a pesquisa, só 9,5% dos estudantes brasileiros de 15 e 16 anos leu algum material com mais de 100 páginas em 2018, índice inferior ao de outros países da América Latina, como Chile (64%), Argentina (25,4%) e Colômbia (25,8%). Na Finlândia, que apresenta os melhores índices do estudo, o patamar chega a 72,8%.
O estudo mostra ainda que os estudantes que chegam aos níveis mais altos de aprendizagem têm, em geral, melhores hábitos de leitura. Entre os que afirmaram ler mais de 100 páginas, 29% conquistaram pelo menos o nível 4 em Leitura no Pisa. Já entre aqueles que disseram que o texto mais longo lido tinha uma página ou menos, apenas 5% alcançaram o mesmo patamar.
Apesar dos indicativos negativos, os jovens brasileiros veem a leitura de forma positiva. Conforme questionário do Pisa, tanto na rede pública quanto na privada, mais de 40% dos alunos afirmam que gostam de falar sobre livros, média superior à registrada pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
De acordo com os pesquisadores, a análise mostra a importância da leitura para a conquista de bons resultados educacionais e revela que um bom hábito de leitura dos jovens parece estar associado a melhores resultados socioeconômicos nos países onde eles residem, com aumento do PIB per capita e queda na Taxa de Desemprego entre a população de 15 a 24 anos.
O vício no imediatista impede a leitura
A falta de leitura da população é algo que a Gazeta de Vargem Grande tem notado em seus posts nas redes sociais, onde os munícipes leem as manchetes ou as primeiras linhas do texto e questionam dados que estão presentes na matéria.
Em alguns casos, moradores comentam nas postagens que o jornal deveria colocar todas as informações da matéria no início, uma vez que, segundo eles, algumas pessoas não iriam ler até o final da matéria que continha cerca de quatro parágrafos.
A Gazeta de Vargem Grande procurou, então, algumas professoras de Língua Portuguesa para ver se elas têm sentido nas salas de aulas que os jovens pararam de ler ou se eles, de fato, têm lido cada vez menos. Essa é uma preocupação pertinente, uma vez que o jovem que não lê torna-se um adulto que lê ainda menos e que possui dificuldade para interpretar textos.
Natália Aparecida Malaquias Ramires é professora há 14 anos e leciona na E.E. Gilberto Giraldi – Ensino Integral. Em entrevista ao jornal, ela disse que na sala de aula é possível notar que os estudantes não têm o hábito de leitura. “Essa geração é imediatista e com o uso excessivo de aparelhos eletrônicos, se puderem escolher entre o livro e sua versão em filme, optarão pelo filme devido a resposta rápida”, disse.
A professora pontuou que na escola Gilberto Giraldi, que é de ensino integral, a leitura faz parte do plano de ação da escola e todos os componentes curriculares estão envolvidos. “Nas aulas de Língua Portuguesa está sendo trabalhado a leitura em projeto, eu levo para a sala algumas obras literárias onde a turma realiza a escolha”, contou.
“A leitura do livro escolhido é realizada uma vez por semana, todos da sala realizam a leitura, que é compartilhada, não é cobrado ficha de leitura ou algo parecido nesse primeiro momento onde o objetivo principal é adquirir o gosto e hábito de leitura”, completou.
Natália ressaltou que com mais acesso à tecnologia e internet, por estarem o tempo todo com o aparelho celular em mãos, o hábito da leitura de livros, revistas, jornais entre outros, foi deixado de lado. Ela pontuou que o hábito de leitura, no entanto, é de extrema importância. “Ele melhora a qualidade da saúde mental, desperta a criatividade lúdica e antecipação e aprendizagem, pois sempre aprendemos palavras novas”, afirmou.
Ao jornal, a professora explicou que a escola e professores trabalham juntos enfrentando obstáculos sociais e culturais para estimular os estudantes a desenvolverem competências e habilidades que os tornem leitores fluentes. O apoio da família, segundo ela, é fundamental para que os jovens desenvolvam o hábito de ler. “Talvez começar pela leitura de um artigo, notícia que seja do interesse de todos pode ser início de leitura em família”, sugeriu.
Excesso de vida online pode ser o inimigo
A professora Maria Regina Barticiotti Lorenzini está na profissão há 40 anos e atualmente ministra aulas de Língua Portuguesa na escola Benjamim Bastos, onde está desde 2011. À Gazeta, ela contou que já enfrentou vários desafios nessas quatro décadas, mas acredita que o maior deles seja o de ressaltar a importância da leitura diante do mundo virtual que invade cada vez mais o dia a dia da população.
“Muitos devem estar pensando, mas como se todos leem o tempo todo as telas dos celulares, smartphones, notebooks? Sim, é verdade, mas não é esse tipo de leitura fragmentada, sem ‘conexão’ e, literalmente, artificial. Estou abordando aqui a leitura de livros, uma leitura de qualidade, que agrega, que acrescenta e que beneficia”, disse.
A professora comentou que, infelizmente, percebe que está tendo mais dificuldade em convencer os alunos na importância de concluir a leitura de um livro. “Isso exige concentração, foco e eles não conseguem exatamente pelo bombardeio de mensagens que chegam o tempo todo das redes sociais e que ‘sempre devem ser muito importantes’, ‘têm que ser lidas imediatamente’ e ‘que nada pode ser mais importante’, nem mesmo a leitura do livro. Os adultos, pais desses jovens, reclamam, mas infelizmente, acabam tendo o mesmo tipo de comportamento”, ressaltou.
Para Maria Regina, é exatamente esse consumo excessivo de informações e, ainda, de baixa qualidade, disponíveis na internet, que impede a captação de conteúdos de qualidade, no caso, a leitura. “Segundo o filósofo João Flávio de Almeida, ‘a gente perde a capacidade de detectar quando uma boa informação passa por nós, não conseguimos apreciar porque nós ficamos acostumados com o que é precário e insatisfatório’. Isso é muito sério e preocupante! Faz-se necessário restaurar o hábito da leitura nos jovens e na população como um todo”, disse.
“Uma tarefa difícil, mas que deve ser cumprida tanto pela escola, professores, como pela família. A leitura, com qualidade, abre caminhos, promove a interpretação e a produção de textos, dá prazer, auxilia na aprendizagem, nos torna pessoas mais emotivas, mais sensíveis, mais felizes. E é desse tipo de pessoas que o mundo está precisando”, completou.
O segredo, segundo a professora, é o equilíbrio. “Esta é a palavra. Equilíbrio no acompanhamento dos conteúdos que realmente acrescentam. Controle do tempo que ficamos online, prática de atividades físicas ao ar livre, contato com a natureza e por quê não ler um bom livro?!”, questionou.
A diminuição drástica no hábito de leitura
Rafaela Carla Mafra Cataletta Carneiro, professora de Língua Portuguesa e Literatura há 18 anos, dá aula na Escola Técnica (Etec) de Vargem Grande do Sul, do Centro Paula Souza. Ao jornal, ela contou que na sala de aula é notável a diminuição ou até mesmo falta de hábito de leitura. “Observo grande dificuldade em produções textuais e conhecimentos de aspectos linguísticos essenciais relacionados à leitura”, disse.
Ela pontuou que essa diminuição no hábito de leitura geralmente ocorre devido a distrações digitais, uma vez que o fortalecimento da tecnologia tem crescido cada vez mais. Além disso, Rafaela ressaltou que há aqueles que têm displicência por leitura.
“Esta situação pode ser revertida quando nos propusermos a desmistificar a ideia de que ler é algo maçante e desenvolver ações como incentivo à leitura desde criança, oferecer diversidade de gêneros textuais, propiciar espaços de leitura acolhedores, associar a tecnologia ao hábito de ler (porém de forma positiva) e promover eventos culturais”, comentou.
Para a professora, a sociedade em geral está lendo menos. “Isto porque é algo que infelizmente já vem de gerações anteriores, ou seja, jovens que leem pouco se tornam adultos que leem pouco. Dessa forma, é preciso ‘quebrar essa regra’, reconstruindo o sentido do hábito de ler na vida das pessoas, enquanto algo que lhes permita alcançar sucesso tanto pessoal como profissional”, afirmou.
Rafaela ressaltou que o hábito de leitura traz vários benefícios. “Entre eles é possível destacar melhor desenvolvimento cognitivo, ampliação de vocabulário, estímulo à criatividade, melhora a destreza na escrita, atualiza o conhecimento, reduz o estresse, auxilia no desenvolvimento emocional e contribui para o desenvolvimento da criticidade. Portanto, se faz necessário que este hábito seja resgatado na sociedade a fim de que esta contemple todos os benefícios trazidos pela leitura”, disse.
Questionada, explicou que para quebrar esse ciclo vicioso, cabe à escola, enquanto instituição de ensino, e aos professores, enquanto mediadores do processo de aprendizagem, promoverem projetos, por meio de planos de ação. “Tais projetos envolverão desde as crianças, no sentido de incentivá-las à prática de leitura, como adolescentes e jovens, a fim de resgatar o exercício de ler. Ainda assim, fomentar eventos culturais que envolvam não só a comunidade escolar, mas também a comunidade local”, comentou.
A família também tem um papel imprescindível para a retomada do hábito de leitura nos jovens. “As famílias, enquanto primeiro contato social de uma pessoa, devem incentivar o exercício da leitura através de diálogo, exemplificando situações do cotidiano em que a leitura seja primordial, bem como ser modelo de bom hábito de leitura, além de proporcionar, dentro de casa, um ambiente favorável para tal”, finalizou.