Ana Luiza Cortezi Pereira
Meu bisavô Tiberius era um senhor que tinha sua rotina formada desde muito novo, e todos que o conheciam poderiam falar com toda a certeza do mundo de suas peculiaridades e trejeitos mais que singelos que o levavam em seu dia-a-dia.
Seu colete marrom, perfeitamente arrumado, combinando com suas calças de linho bege, completavam seu visual usual com um sapato social escuro, às vezes de couro, às vezes de camurça, dependendo de seu humor, ou do tempo lá fora.
Todos os dias às nove da manhã ele saía de sua casa para buscar sua correspondência e dar uma volta pelo bairro, dando bom dia aos vizinhos e casualmente ajudando um ou outro com alguma coisa que poderia aparecer em sua caminhada matinal. Ao meio dia ele almoçaria na lanchonete do centro, seu arroz temperado, com frango cozido e batatas salteadas, ou então um belo cuscuz, dependia mesmo do cardápio e da sua disposição para conversar com a garçonete, neta de sua vizinha mais querida, que veio visitar no verão passado e acabou engravidando do encanador local e ficou por ali mesmo.
Aos domingos ele iria à paróquia local. Era um homem fervorosamente fiel a sua fé, porém jamais desprezou a fé alheia, sempre respeitoso e muito curioso pela religião de seus colegas, adorava passar horas conversando sobre tudo, inclusive sobre religião e suas vertentes.
Os feriados santos eram seus feriados favoritos, já que sua numerosa família vinha visitá-lo, como era o caso desse Natal.
Seu filho mais velho tinha casado com uma moça muito bonita, e lhe dera quatro netas, todas elas jovens moças, duas já casadas e uma já com seu primeiro filho a caminho. O segundo filho, casou três vezes. O primeiro casamento terminou no primeiro ano sem filhos, o segundo veio um casal de gêmeos, que lhe deu mais dois casais de bisnetos de ambos, e o terceiro casamento e atual veio mais um neto e três bisnetos. A terceira filha não casou e nem teve filhos. Não achava que precisava disso e Tiberius não achava que deveria se intrometer demais em sua vida depois de adulta. E a quarta filha nunca se casou, mas adotou uma linda menina, que teve dois meninos em seu casamento.
Eu era um dos bisnetos do segundo filho, e sempre vi meu bisavô como meu herói. Ele sempre teve muita fé em suas crenças e sempre nos fez – seus netos, bisnetos e sobrinhos-netos – aprendermos a ter essa mesma fé, seja em nossas vidas, carreiras, estudos, relacionamentos ou qualquer outra coisa que foquemos na vida.
Quando eu era bem pequeno, não mais alto que a cadeira da sala de jantar da casa dos meus pais, meu bisavô virou pra mim e disse que Papai Noel existia.
Naquele mesmo dia, meu primo, que visitava nossa família da cidade grande, já mais velho e descrente, riu das histórias do meu avô e debochando disse a todas as crianças na sala:
— Se Papai Noel existisse, vocês ganhariam todos os presentes que pediram durante o ano. Ele é uma mentira lucrativa, pra enganar bobo a comprar coisas inúteis.
Todos os pequenos, afinal, ele tinha um fundinho de verdade nas suas palavras cruéis que ninguém gostaria de admitir, mas não gostaria de contar a um bebê.
Meu avô, muito paciente, olhou para meu primo e começou então a falar calmamente.
“Uma Estrela deixa de brilhar quando uma criança cresce e deixa de acreditar na magia do Natal.” Você sabia disso?
Meu primo disse que não, e que não acreditava naquilo. E ele perguntou, se ela deixa de brilhar por falta de fé, porque a estrela de Natal ainda está brilhando?
Meu avô então, com um brilho de esperteza no olhar, estalou os dedos, e respondeu:
— A fé é passada de um para o outro, de geração em geração, pois dessa forma, a crença vai se multiplicando mesmo que a lembrança vá se apagando com o tempo. — Ele olhou para o rosto de cada uma das crianças que estavam sentadas à sua volta, e então se inclinou na poltrona para mais perto de nós.
— Crianças, nunca se esqueçam disso, a fé move montanhas e constroem rios. Vocês não são nada sem sua fé, e sua fé não é nada sem vocês.
Após isso todos resolveram se aposentar, e o avô ficou na sala olhando pela janela, admirando a estrela brilhante que iluminava a noite e abençoava a casa e seus habitantes.
A Estrela de Natal brilhou pela janela naquela noite, sua luz envolveu a casa numa aura branca de paz e harmonia, deixando seus habitantes em sonhos doces e abundantes.