O luto não reconhecido das mães de colo vazio

Psicóloga Giovana Thezolin – @psicologagiovanathezolin

Essa semana eu completaria 7 meses de gestação ou na linguagem gestacional que eu nunca entendi até engravidar- 28 semanas. Meu bebê estava previsto para ser recebido em meus braços no dia 14 de julho, aniversário da minha melhor amiga que prometia ser a responsável pela anestesia no parto.
Como uma boa libriana eu romantizava a cena, mas não é assim que vamos comemorar o aniversário dela esse ano, a vida não poderia ser tão generosa com a gente, já que é tão injusta com tanta gente por aí.
Por coincidência também estavam provisionadas minhas férias e do meu marido, já cuidávamos de economizar para o guarda-corpo do mezanino, começávamos a ganhar roupinhas brancas envoltas a choros emocionados das minhas amigas, creme antiestrias, e com carinho aprendi a dobrar a mantinha off de tricô com tema zoológico que ganhei da minha estagiária.
Me recusava a aceitar a ideia de chá revelação porque sempre achei cafona e sexista. Mas toda mãe é meio cafona, né? Eu tinha certeza que ia fazer o Theo ou a Eva ou o Theo e a Eva (haviam rumores de uma gravidez gemelar) passarem vergonha na adolescência porque eu seria dessas mães protetivas que carregam a agenda de recomendações para a professora e chora em toda excursão da escola.
Quando comecei a elaborar o meu luto (do meu filho ou dos meus filhos, da romantização da barriga, da paternidade do marido, dos avós dando chocolate antes do almoço, dos meus gatos com ciúmes, das crianças do projeto que trabalho com ele(a) eles no colo e do futuro que nós não teríamos juntos) escrevi nas redes sociais e fui surpreendida por uma avalanche de histórias com narrativas que se comunicavam com a minha. “Como eu nunca soube que você passou por isso?” eu perguntava… Depois entendi.
Quando escutamos que uma mãe que perdeu o seu filho, sobretudo no período gestacional, sobretudo quando nas semanas iniciais desse processo, o tempo aparece no discurso das pessoas “de fora”, como uma unidade de medida da dor, geralmente avaliada como “pouca”, “suave”, “que será superada facilmente”. Já para a mãe, que viveu naquele tempo, que para os outros parece ínfimo, toda uma vida, abre-se uma ferida, uma a mais, pelo não reconhecimento do seu luto.
Trago o óbvio que parece nem sempre estar claro: uma mãe em luto é uma pessoa em luto. E a gente respeita uma pessoa em luto. E a gente acolhe uma pessoa em luto. Ou não?
Quando uma pessoa perde alguém, a gente não diz a ela pra ficar tranquila, nem que outra pessoa logo virá para substituí-la, não é mesmo? E por que a gente diz à mãe de colo vazio que logo, logo ela poderá engravidar de novo? Na dúvida sobre o que falar, o silêncio pode ser o melhor acalento; o abraço, o melhor acolhimento.
Só quem sente sabe, perder é o verbo mais difícil de conjugar. Na catarse das narrativas divididas me acalmei, já não me sentia sozinha na falta, na impotência, na vulnerabilidade. Muitas mães de colo vazio me agradeceram por dar voz a esse sentimento, mas ainda assim reconheço que nenhuma palavra proferida é poderosa ao ponto de curar a dor que, se tem cura, somente será alcançada depois de um processo único, sem prazo definido, a ser vivido por quem realmente sente essa dor.
Abraço, com muito respeito, as mães de colo vazio que agora me leem e um feliz dia das mães às todas vocês que como eu foram mães, ainda que não tiveram seu colo preenchido.

 

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