Recentemente ocorreram três homicídios na cidade que tiveram grande repercussão na sociedade vargengrandense, com matérias publicadas no jornal impresso da Gazeta de Vargem Grande e também veiculadas nas páginas da rede social do jornal, gerando um grande debate entre seus leitores.
Para ajudar a compreender todo o processo jurídico a respeito do que acontece com os réus envolvidos nos crimes de homicídio, a Gazeta de Vargem Grande entrevistou o advogado criminalista João Carlos Felipe, que trabalha há mais de 20 anos na área jurídica, tendo atuado em aproximadamente 70 casos do Tribunal do Júri, sendo que muitos deles com grande repercussão na comunidade.
O advogado atuou no primeiro caso de feminicídio de Vargem Grande do Sul, sendo membro efetivo regional da Comissão Especial de Advocacia Criminal da OAB do Estado de São Paulo e respondeu às questões formuladas pelo jornal no seu escritório localizado na Av. Ivo Rodrigues.
Para o jurista, todo processo criminal tem suas particularidades, podendo variar em cada caso específico. Com relação aos casos do crime de homicídio, João Felipe disse que é um tema extenso, e que em razão da sua complexidade, fica difícil exaurir dado os muitos pormenores que o compõe.
Fase do inquérito policial
Explicou que quando um crime é cometido, chegando esta notícia até a autoridade policial, a polícia inicia a investigação, coletando provas, interrogando testemunhas e o suspeito, realizando perícias e outros procedimentos necessários para elucidar o crime. Ao final da investigação, a polícia indicia o autor do crime, formalizando a acusação.
O indiciamento pode ser direto, sendo aquele feito com a presença do suspeito, também pode ser indireto, qual seja, aquele quando o suspeito não tiver sido localizado pessoalmente, por exemplo. Nos três crimes cometidos em Vargem, a polícia civil agiu rapidamente e prendeu todos os suspeitos.
Pedido de prisão
Durante um inquérito policial, explicou o advogado criminalista que o delegado pode solicitar diversos tipos de prisão, cada um com seus próprios requisitos legais. A escolha da medida cautelar mais adequada dependerá da natureza do crime, das provas coletadas e das circunstâncias do caso.
Pode a autoridade policial realizar a prisão em flagrante do suspeito no momento da prática do crime ou imediatamente após, quando o autor ainda está no local do crime ou nas suas imediações ou quando o suspeito é perseguido e encontrado, portando instrumentos do crime ou havendo vestígios do delito que demonstram a recente prática da infração.
Prisão temporária
Pode ser requerido também a prisão temporária do suspeito, que é uma medida que visa assegurar a coleta de provas e a garantia da ordem pública. A prisão temporária pode ser decretada quando houver indícios suficientes de autoria ou participação em crimes hediondos, como no caso de homicídio.
Essa modalidade de prisão só pode ser decretada por, no máximo, cinco dias. Contudo, quando há motivos plausíveis, ela pode ser prorrogada por mais cinco dias. Entretanto, quando o crime cometido é hediondo (homicídio), a pessoa pode ficar presa por até 30 dias.
Prisão preventiva
Outra modalidade de prisão, trata-se da prisão preventiva que é uma prisão decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou por representação da autoridade policial.
Com relação aos requisitos para a decretação da prisão preventiva, é necessário que estejam presentes pelo menos um dos seguintes requisitos: Garantia da ordem pública: O conceito de garantia da ordem pública reside na necessidade de impedir a repetição de novos crimes. No entanto, a jurisprudência, por razões tecnicamente inatingíveis, vem moldando, criando uma nova figura com o objetivo da decretação da prisão preventiva: o clamor público.
Garantia da ordem econômica: Os crimes combatidos com a prisão com base neste fundamento, muitas vezes são os chamados “crimes do colarinho branco”. Por outro lado, assaltantes de banco, por exemplo, podem ter a sua prisão decretada por este fundamento, uma vez que, a sua atuação, inegavelmente, pode trazer abalo à ordem econômica.
Conveniência da instrução criminal: Uma vez que há possibilidade de intimidação pelo réu e dos demais codenunciados à vítima sobrevivente e das testemunhas, por exemplo. Asseguração da aplicação da lei penal: Exemplo é quando o acusado tenha tomado atitudes que trazem fortes indícios de que ele está tentando fugir do distrito da culpa com o objetivo de frustrar a aplicação da lei penal, a sua prisão pode ser decretada.
Recursos
A lei prevê diversos recursos que podem ser utilizados para contestar a legalidade e a necessidade da prisão. No caso de Prisão em Flagrante, o advogado do acusado pode pedir o relaxamento da prisão em flagrante, alegando que não houve flagrante delito, ou seja, que não estavam presentes os requisitos legais para a prisão no momento da sua realização.
Sendo o caso de Prisão Preventiva e Temporária o advogado impetrará Habeas Corpus. O recurso de habeas corpus pode ser impetrado com base em diversos fundamentos, como: Ilegalidade da prisão: Quando a prisão foi decretada com base em provas ilícitas ou sem a observância das formalidades legais. Ausência de fundamentação: Quando a decisão que decretou a prisão não está devidamente fundamentada, ou seja, o juiz não explicou de forma clara e precisa os motivos para a prisão. Excesso de prazo: Quando o prazo de duração da prisão temporária foi ultrapassado. Concorrência de outras medidas cautelares: Quando existem outras medidas cautelares menos gravosas que podem garantir a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, como por exemplo o suspeito pode utilizar tornozeleira eletrônica. Mudança das circunstâncias: Quando as circunstâncias que levaram à decretação da prisão se modificaram, tornando a prisão desnecessária.
Liberdade provisória
Caso decretada a prisão do suspeito seja ela em qualquer das modalidades que foram elencadas, este poderá por intermédio do seu advogado requerer a liberdade provisória, onde a pessoa responderá em liberdade todos os atos do processo até julgamento final. Para o deferimento (aceitação do juiz) que o suspeito responda o processo em liberdade, deve ficar demonstrado que o acusado possui vínculos com a comunidade, trabalho fixo e residência conhecida, o que reduz o risco de fuga.
O acusado pode oferecer colaboração com as investigações, o que pode ser um fator relevante para a concessão da liberdade provisória. Em alguns casos, a gravidade em si do crime não justifica a manutenção da prisão preventiva. O tempo de duração da prisão preventiva pode ser utilizado como argumento para a concessão da liberdade provisória, especialmente em casos de demora na instrução processual (andamento do processo).
“Devemos lembrar que a decisão de conceder ou negar a liberdade provisória é de competência do juiz. Cada caso é analisado de forma individualizada, e o resultado do recurso dependerá das particularidades de cada situação. Ressalto que o juiz analisa de acordo com o processo e não de acordo com a condição econômica da pessoa”, explicou o advogado criminalista.
Fase da ação penal
Superada a fase do inquérito policial, entraremos na fase da ação penal, que começa com a denúncia. O Ministério Público, com base no inquérito policial, oferece denúncia à Justiça, formalizando a acusação contra o acusado. O juiz analisa a denúncia e decide se a recebe ou não. Se a receber, o processo se inicia formalmente. O acusado vai ser citado para apresentar defesa prévia. Realiza-se a audiência de instrução e julgamento, onde são ouvidas as testemunhas de acusação e defesa, o acusado é interrogado e as partes podem apresentar provas.
Nesta fase são apresentadas as provas, como laudos periciais, documentos e depoimentos. Após esta fase da instrução processual, as partes, quais sejam, o advogado na condição de defensor e o promotor na condição de acusador, apresentam suas alegações finais, expondo seus argumentos sobre a culpa ou inocência do acusado.
Terminada esta fase, o juiz, após analisar todas as provas e os argumentos das partes, proferirá a sentença, podendo condenar, absolver o acusado ou dar ao caso outra definição jurídica, por exemplo, desclassificando o crime para lesão corporal ou outro. Porém, se o juiz convencido da prática do crime pelo acusado tendo a existência de indícios suficientes de materialidade, autoria ou de participação, pronunciará o acusado, o que significa que o acusado será julgado pelo Tribunal do Júri. Logicamente que desta decisão caberá recurso.
Tribunal do Júri
Após restar decidido que o acusado seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, o juiz designará a data para tal julgamento. Nesta fase, existe uma preparação para o julgamento, onde a defesa e a acusação poderão requerer provas a serem produzidas ou exibidas no plenário do júri. Dentre uma lista de jurados, um grupo é sorteado para compor o Conselho de Sentença.
Os jurados são pessoas da sociedade. O juiz presidente então requisita às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado.
O alistamento dos jurados é realizado anualmente pelo juiz presidente do Júri. Nas comarcas com mais de um milhão de habitantes, serão alistados de oitocentos a mil e quinhentos jurados. Nas comarcas com mais de cem mil habitantes, de trezentos a setecentos jurados, e, nas comarcas de menor população, de oitenta a quatrocentos jurados.
Júri de Vargem
Na comarca de Vargem Grande do Sul, o advogado João Felipe acredita que, salvo engano, existe uma lista de 100 jurados. Falou que antes da data marcada para o julgamento pelo Tribunal do Júri, desta lista serão sorteadas 25 pessoas que deverão comparecer para o dia do julgamento, sendo que destes 25 jurados, serão sorteados 7 que integrarão o Conselho de Sentença. “Serão estes sete jurados os juízes que definirão o destino do acusado”, afirmou.
Instalado o Conselho de Sentença, os trabalhos seguirão, onde os jurados tomarão conhecimento do caso a ser julgado, ouvindo testemunhas, o réu e eventual vítima que esteja viva, conhecerão provas apresentadas pela defesa e acusação, após, seguirão os debates, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia e na sequência será dada a palavra ao advogado do réu que fará a sua defesa.
Terminado os debates, o juiz que estiver presidindo os trabalhos indagará dos jurados se estão habilitados a julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos. Não havendo esclarecimentos requeridos pelos jurados, estes seguirão para a “sala secreta”, ou seja, sala especial, onde, estes, finalmente darão a sentença.
Sentença dos jurados
A sentença a ser dada pelos jurados será em forma de quesitos apresentados. Os quesitos são as perguntas formuladas pelo juiz ao Conselho de Sentença composto pelos jurados durante um julgamento pelo Tribunal do Júri. Essas perguntas são cruciais, pois direcionam a atenção dos jurados para os pontos mais importantes do caso, permitindo que eles formem uma opinião fundamentada sobre a culpa ou inocência do acusado.
Os quesitos, em geral, abordam os seguintes aspectos: Materialidade do crime: Ocorreu o crime? Há provas suficientes para comprovar que o fato criminoso realmente aconteceu? Autoria: O acusado é o autor do crime? Quais são os elementos que ligam o acusado ao crime? Participação: Se o acusado não for o autor direto, ele participou do crime de alguma forma? Como? O acusado agiu com dolo, ou seja, com intenção de praticar o crime? O acusado agiu com culpa, ou seja, sem a intenção de praticar o crime, mas assumindo o risco de produzi-lo?
Causas de exclusão da ilicitude: O acusado agiu em legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou em exercício regular de direito? Causas de exclusão da culpabilidade: O acusado era inimputável (menor de idade, doente mental etc.) ou agiu sob coação ou em obediência hierárquica? Causas de diminuição ou aumento de pena: Existem circunstâncias que podem atenuar ou agravar a pena do acusado? Absolvição: O acusado deve ser absolvido?
A ordem e a quantidade dos quesitos podem variar de acordo com as especificidades de cada caso. O juiz, com base nas provas apresentadas e nas alegações das partes, elabora os quesitos de forma a esclarecer os pontos controvertidos do processo e permitir que os jurados respondam de forma clara e objetiva.
Como votam os jurados
Como os jurados votam na sala secreta, foi abordado pelo advogado criminalista. Segundo João, nesse momento, o juiz presidente mandará distribuir aos jurados pequenas cédulas, feitas de papel opaco e facilmente dobráveis, contendo sete delas a palavra sim e em sete a palavra não. Sendo o voto sigiloso, nenhum jurado tem conhecimento de como o outro votou, nem ao menos o juiz, que apenas fará a contagem dos votos. Para assegurar o sigilo do voto, o oficial de Justiça recolherá em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas.
O voto dos jurados é secreto para garantir a imparcialidade e a independência da decisão. Ao votar em segredo, os jurados não sofrem pressão de outros membros do Conselho de Sentença ou de pessoas externas, podendo assim formar sua própria convicção sobre o caso.
“É importante ressaltar que a formulação dos quesitos deve ser clara, objetiva e precisa, permitindo que os jurados respondam de forma inequívoca. Além disso, os quesitos devem abranger todas as questões relevantes para a decisão do caso, de modo a garantir que o julgamento seja justo e imparcial”, disse o advogado.
Sentença proferida
Após a votação pelos jurados, o juiz presidente proferirá uma sentença detalhada, considerando a decisão do júri, as regras do Código de Processo Penal e as peculiaridades do caso. A sentença pode resultar em condenação, com a fixação da pena e suas consequências, ou em absolvição, com a libertação do acusado.
O Juiz presidente fará a leitura da sentença em plenário, definindo a pena em caso e condenação, serão analisadas as circunstâncias que podem aumentar ou diminuir a pena, conforme decidido pelos jurados. Para condenações a penas superiores a 15 anos, o juiz pode determinar a execução imediata da pena, mesmo que haja recursos pendentes.
Em caso de absolvição, pode o juiz determinar sua soltura se o réu não estiver preso por outro motivo. Se o crime for desclassificado para outro que não seja da competência do Tribunal do Juri, será o juiz singular que dará a sentença. A decisão dos jurados sobre os fatos é soberana, mas o juiz tem o papel de aplicar a lei e garantir a correta dosimetria da pena. As partes podem recorrer da sentença, buscando a reforma ou a anulação da decisão.
Penas para homicídio
No caso em comento, em se tratando de homicídio as penas podem variar de 6 a 30 anos, no caso de homicídio simples a pena será de reclusão, de seis a vinte anos. No caso de homicídio qualificado, quando o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; por motivo fútil; com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime, a pena será de doze a trinta anos.
“É importante ressaltar que estas são breves considerações sobre o tema e que o processo de julgamento pelo Tribunal do Júri envolve diversas nuances e complexidades”, finalizou o advogado criminalista João Carlos Felipe.