Texto extraído do livro (inédito) Casa Branca, Histórias da nossa História, do autor Sérgio Argeu Scacabarrozzi
Uma tradição histórica de Casa Branca diz respeito ao seu “fundador”, José Nazareth de Azevedo, que seria o “proprietário” do rancho que dera origem ao nome da cidade, “Casa Branca”, e que doara uma área de terras para a criação da Freguesia, que daria origem ao município. Essa história começou a ser veiculada no início do século passado, através do jornal “O Casa Branca”, mediante artigos resultantes das pesquisas do maestro e jornalista Justino Gomes de Castro.
Entretanto, historiadores importantes jamais mencionaram o nome de José Nazareth de Azevedo relacionando-o à fundação de Casa Branca. Nos escritos de Lafayette de Toledo e Amélia Franzolin Trevisan, o nome de Nazareth sequer é citado. A historiadora Maria Aparecida Pantoja e o escritor Ganymédes José, no entanto, bebem na mesma fonte de Justino de Castro e, ao que parece, essa foi a versão que prevaleceu ao longo do tempo, levando os casa-branquenses a aprenderem, desde os bancos escolares, que o “fundador” de Casa Branca teria sido Nazareth.
A primeira pessoa que falou de Nazareth parece ser mesmo Justino de Castro, que relata ter chegado a ele através de suas pesquisas a respeito da história de Casa Branca, e que fora um ex-escravo, chamado José Machado, com 135 anos à época em que fora entrevistado por Justino (1913), quem revelara ter conhecido Casa Branca em 1795, quando esta possuía apenas 4 ranchos, todos de propriedade de José Nazareth de Azevedo.
Segundo ele, Nazareth doara uma gleba de terras para formar o patrimônio da povoação. Justino diz isso baseado em “documento”, mas desse não temos conhecimento. A historiadora Amélia Franzolin Trevisan, arguida por este autor e pelo professor Geraldo Majella Furlani, em 1998, sobre os motivos da omissão do nome de Nazareth em sua monografia sobre Casa Branca, revelou-nos que assim o fizera por não ter tido conhecimento documental da existência de Nazareth ou da sua doação de terras que implicasse em contribuição na fundação de Casa Branca.
Entretanto, o historiador José Antonio Lages, em sua obra “Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro – povoamento da região por entrantes mineiros na primeira metade do século XIX”, (VGA Editora e Gráfica, 1996) traça expressivo perfil da família Nazareth de Azevedo, cujo patriarca, José Nazareth de Azevedo, falecido em 1829, deixara testamento em Mogi Mirim. Seria o mesmo Nazareth citado por Justino de Castro? José Antonio Lages aproveita-se da obra de Geraldo Majella Furlani, “O Município de Casa Branca”, e relaciona esse Nazareth como sendo o doador das terras para o patrimônio da futura cidade de Casa Branca. Sendo ou não a mesma pessoa, tendo contribuído ou não para a fundação de Casa Branca, teria, então, existido um José Nazareth de Azevedo, cujos filhos tiveram papel importante na fundação de Ribeirão Preto.
O escritor e historiador Ganymédes José, em sua obra “Uma Vez, Casa Branca…”, expõe a história de Casa Branca a partir do movimento liderado por Nazareth e sua mulher, Custódia Leite de Morais, junto com outros moradores locais, para que o bispo D. Mateus de Abreu Pereira intercedesse junto a D. João VI para a criação da freguesia de Casa Branca. O relato de Ganymédes José, embora baseado em fatos, romanceia o episódio, sendo esta uma das suas principais características como autor de dezenas de livros infanto-juvenis. Foi uma maneira didática do autor descrever a fundação da cidade, pintando com as palavras que dominava tão bem cenas que provavelmente não existiram. Hoje, de posse da petição dos moradores desta região, estampada pelo historiador J. Machado Tambellini, na obra A Freguezia dos Batataes, encaminhada ao Bispo de São Paulo, em 1810, podemos constatar que dele não constam sequer os nomes de Nazareth e sua mulher.
De concreto a respeito da fundação de Casa Branca, temos: havia um caminho, ou estrada, que servia de ligação entre São Paulo e Goiás e, nessa estrada, à beira de cursos d’água, existiam pousos onde os viajantes paravam para descansar da jornada, abastecer-se de mantimentos, recuperar as suas forças e tratar os animais. Um desses pousos era onde hoje está Casa Branca, e o governo, prevendo evasão de impostos por uma estrada movimentada, mas mal fiscalizada, incentivou a criação de uma freguesia, para ter controle da região e atender aos reclamos dos poucos moradores que à sua volta se fixavam.
Por não existirem terras devolutas (abandonadas) à margem da estrada, um dos proprietários, o sesmeiro José Vaz de Carvalho, doou uma faixa ao governo que tinha planos de providenciar o povoamento e o desenvolvimento da região através da instalação de imigrantes açorianos. Para receber esses novos habitantes, foram construídas 24 casas naquela que seria a primeira rua da freguesia (Rua dos Ilhéus, Rua do Comércio e atual Rua Mestre Araújo) e que daria origem à cidade que temos hoje. Ao final dessa rua, uma rústica capelinha foi erguida para atender aos reclamos espirituais dos novos moradores e dos já existentes, dedicada a Nossa Senhora do Rosário, que serviria por décadas como matriz de Nossa Senhora das Dores, padroeira da nova freguesia, imposta por D. João VI, Príncipe Regente.
A procura por documentos que comprovem que José Nazareth de Azevedo é o mesmo Nazareth que aprendemos ao longo dos anos como sendo o fundador de Casa Branca prossegue. Mas, existindo ou não Nazareth, a sua figura quase lendária enriquece mais ainda a história desta cidade, tornando-a ímpar entre as da região e fazendo-a única diante de tantas outras por esse Brasil afora…
Obras citadas:
1 – “Uma Vez, Casa Branca…” – Ganymédes José – 1973 – São Paulo Editora S/A
2 – “Casa Branca, a Povoação dos Ilhéus” – 1982 – Amélia Franzolin Trevisan – Edições Arquivo do Estado – São Paulo/SP
3 – “O Município de Casa Branca” – 1987 – Geraldo Majella Furlani – Imprensa Oficial do Estado S/A, São Paulo/SP
4 – Estudo Funcional de um Centro Urbano: A Cidade de Casa Branca – Maria Aparecida Pantoja – Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, Ano VII, volume LXXXIV – julho/agosto de 1942 – São Paulo/SP
5 – “Ribeirão Preto: da Figueira à Barra do Retiro – O Povoamento da Região pelos Entrantes Mineiros na Primeira Metade do Século XIX” – 1996 – José Antônio Lages – VGA Editora e Gráfica – Ribeirão Preto/SP
6 – Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – Volume XII – 1907 – “Dicionário Topográfico da Comarca de Casa Branca” – Lafayette de Toledo – 1899 – pág. 121 a 216. – Tipografia do Diário Oficial – São Paulo/SP