Depoimento de um leitor
SÉRGIO A. SCACABARROZZI – Casa Branca (SP)
Desde a adolescência fui afeito aos livros. Não era aluno brilhante, nem considero que fui um grande leitor, mas a minha vida foi praticamente toda cercada pelos livros. Comprar livros e tê-los era alguma coisa comum para mim e meus irmãos, embora nossos pais não fossem pessoas cultas, que se preocupassem com isso. Foi, por isso, natural, quando, no início dos anos 1980, resolvi cursar Letras na Faculdade de São José do Rio Pardo, hoje FEUC. O curso da FFCL era, naquele tempo, uma referência na região, graças aos excelentes professores que ela oferecia. A cidade, como sempre, respirava Euclides da Cunha e sua obra prima, Os Sertões. Assim, para os alunos de Letras, ler o livro máximo da literatura brasileira era quase uma obrigação, embora nenhum professor da época exigisse isso explicitamente. Mas era natural que, de uma maneira ou de outra, acabássemos tendo contato com ele.
Minha primeira tentativa de ler Os Sertões, portanto, foi durante o tempo na FFCL de São José do Rio Pardo. Isso se deu aos tropeções, confesso. O livro era considerado chato, difícil, inexpugnável, complicado, etc. Mas, mesmo assim, acabei por fazer a leitura, que não deixou muitos resultados em minha vida de leitor, pelo menos aparentemente. Porém, acredito que o simples fato de ter me esforçado para vencer as mais de seiscentas páginas da obra, especialmente as duas primeiras partes – A Terra e O Homem – consideradas as mais áridas do livro, contribuiu para que me interessasse por outros livros menos “fáceis” para o leitor universitário.
Já saído da faculdade e sem ter seguido carreira no magistério, os livros continuaram me acompanhando vida afora. Formei uma extensa biblioteca particular e li, nesses anos todos, as principais obras da literatura, principalmente da literatura brasileira, entre os quais, claro, o próprio Os Sertões, agora sob nova perspectiva e com uma nova maneira de encarar uma obra dessa envergadura.
Dos muitos e muitos livros que li, três considero fundamentais, e a leitura deles tiveram e têm um valor inestimável para mim, a ponto de nunca mais ter abandonado o contato constante com eles. São: Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa e, obviamente, Os Sertões, de Euclides da Cunha. Esses três monumentos da literatura transformaram o meu modo de ver e sentir o mundo. No caso de Os Sertões, ele mudou completa e profundamente minha maneira de enxergar o Brasil.
Ao longo do tempo, motivado pelo encantamento e pela transformação que a leitura consciente de Os Sertões operou em mim, fui pesquisando mais sobre a realidade brasileira da época dos acontecimentos narrada no livro e suas consequências para o Brasil, que duram até hoje. Passei, também, a me interessar pela pessoa de Euclides da Cunha, mergulhando na tragédia de sua vida, da sua família e pelas circunstâncias que cercam o livro Os Sertões, as dificuldades de sua publicação, em 1902, a agonia do escritor em relação aos erros tipográficos encontrados no livro, as edições que se seguiram, cada uma com característica própria, o reflexo da publicação no meio intelectual da época, etc. Assim, Os Sertões tornou-se quase que uma outra pessoa que, curiosamente, podia ser dissociada do seu autor, sem, contudo, existir sem ele.
Daí que, por uma mania pessoal, um hábito que cultivei ao longo de toda a minha vida de leitor, colecionei as principais edições de Os Sertões, que me permitiram observar, concretamente, a evolução da publicação da obra ao longo dos anos. Desde a sua publicação, em 1902, até o início dos anos 1960, Os Sertões era um livro que mantinha a sua presença no cenário da literatura brasileira aparentemente destinado aos leitores mais “experimentados”, por assim dizer, geralmente egressos do meio acadêmico. Não seria, penso eu, um livro considerado “popular”, na plena acepção do termo. Da década de 1960 em diante, foi constatada uma “popularização” da obra euclidiana. As edições começaram a se tornar menos “carrancudas” e começaram a chegar aos ambientes escolares, como o caso da edição de bolso da então popular Editora Tecnoprint, claramente destinada aos leitores do ensino médio (na época o colegial). A preocupação em levar o livro para a juventude deram até mesmo origem a uma versão em quadrinhos, publicada em 1956 pela EBAL – Editora Brasil-América, icônica casa publicadora de quadrinhos no Brasil, pioneira no ramo, que formou gerações de leitores, inclusive introduzindo-os no mundo dos clássicos da literatura.
A partir dos anos 1970 Os Sertões se tornou um livro completamente popular, sendo editado por diversas editoras brasileiras, em vários formatos, com um grande apelo visual, que permitiu aos leitores perderem o “medo” de encarar a obra e mergulhar na riqueza de suas páginas. Vieram, então, novas versões em quadrinhos, a divisão do livro em três partes distintas, as edições comentadas, críticas e enriquecidas com estudos que possibilitaram maior conhecimento de toda a magnitude da obra de Euclides. Surgiram, também, nas últimas décadas, edições luxuosas, contendo cadernos de fotografias da época do conflito de Canudos, fac-símiles das anotações de campo do autor, entre outros adendos que deixam o livro cada vez mais completo em sua magnitude. Um outro fator que contribuiu muito para a popularização de Os Sertões foi a sua constante presença em coleções vendidas em bancas de jornais, por expressivas editoras que tinham grande alcance nesse seguimento, como a Editora Abril e Editora Três.
Os Sertões é um livro de tamanha grandeza que, tal qual o Dom Quixote de Cervantes, adquiriu vida própria. Podemos dizer que existe uma biografia do autor, Euclides da Cunha, e outra, à parte, do grande livro euclidiano. A vida de Euclides foi interrompida drasticamente em 15 de agosto de 1909, como todos sabem, quando ele tinha 43 anos de idade. A existência de Os Sertões começa em 1902. A data oficial seria 2 de dezembro, mas outros estudiosos declaram que o livro já estava pronto alguns meses antes, entre agosto e outubro daquele ano. Euclides viveu pouco mais de quatro décadas, sendo morto a tiros pelo amante de sua mulher, Dilermando de Assis, no Rio de Janeiro. O livro Os Sertões completa neste ano 120 anos de idade, e, pela importância que adquiriu nesses anos todos, continuará vivendo perpetuamente.
Olá! Eu me envolvi numa dessas chatas discussões de Facebook em que as pessoas não o classificam como um best-seller. Na sua opinião bastante abalizada como pude perceber do que escreveu sobre a história do livro por assim dizer, Os Sertões de Euclides da Cunha é ou não um best-seller? Temos que definir Best-seller mas até pelas sucessivas edições, podemos dizer que sim, ou não? Enfim, a cada ângulo que paro para pensar essa questão fico mais e mais confuso pois na verdade não há registros dessa querela, ou há? Sabe-se quantos volumes foram vendidos desse livro? Pode me ajudar?